Amityville

Violência, sátira e persona em “Amityville”, de Eminem

“Amityville” pega um ícone do terror e o usa como rótulo para normalizar o absurdo: Detroit vira “casa assombrada” onde a violência é regra. O refrão “Mentally ill from Amityville / accidentally kill your family still” (mentalmente doente de Amityville / ainda mato sua família sem querer) ironiza a loucura como salvo‑conduto, ridicularizando a ideia de “acidente” num ambiente de impunidade. O título convoca o caso DeFeo e o filme “The Amityville Horror”, tingindo a faixa de fatalismo e morbidez. A persona de Eminem, alimentada por abuso de substâncias, raiva e humor negro, usa hipérbole e choque para expor a cidade que ele rebatiza em “This ain't Detroit... it's Hamburger Hill” (isso não é Detroit... é Hamburger Hill), imagem de guerra urbana. Na produção seca de The Marshall Mathers LP, as rimas ficam em primeiro plano; cenas de “estacionar e atirar” e a linha “it just made the shit valid this year” (só validou essa merda neste ano) sugerem que o sistema torna a barbárie operacional e previsível.

A entrada de Bizarre (D12) empurra o grotesco ao limite com um inventário de tabus — não como confissão, mas como caricatura extrema. É humor negro para incomodar, testar o ouvinte e espelhar a dessensibilização. A faixa opera em camadas: o lugar vira símbolo e alter ego (a máscara Slim Shady) que “autoriza” impulsos incontroláveis; o “mentalmente doente” funciona como rótulo midiático e desculpa autoindulgente; e a cidade‑horror ecoa a fama de Detroit como “murder capital”. O resultado mistura bravata, tensão e niilismo: “Amityville” denuncia e, ao mesmo tempo, encena o monstro que a cultura produz — e tolera.