A vingança

“A vingança”: denúncia social e ciclo de violência

“A vingança”, de Espaço Rap, lançada na coletânea Espaço Rap 1 (1998), é assinada pelo grupo Face da Morte e encena como desigualdade e abuso moldam destinos. O refrão, ao mandar buscar em Deus o “verdadeiro pai”, acusa o pai biológico e a sociedade que abandona mãe e filho. A narrativa começa com Maria, 13 anos, empregada doméstica, tratada pelo filho do patrão como “isca fácil, presa fácil” — imagem clara do poder do predador. Ela reza, pede para ser deixada em paz, é violentada e, grávida, recebe dinheiro para “desaparecer”. A letra liga medo, humilhação e abandono à estrutura social: migrante “sem família, sem escola”, dependente do emprego, Maria vira alvo, enquanto patrão e filho tratam a violência como descartável. “O mundo gira até as pedras podem se encontrar” antecipa o retorno desse ato e o ciclo da violência.

O filho cresce na favela sem referência positiva: “lá na favela não existe empresário pra ele se espelhar, a polícia vai lá somente pra matar”, em contraste com “carros importados” na quebrada. Vê a mãe afundar no “mesclado”, passa fome e entra cedo no crime — “avião”, “oitão”, “157” — códigos que mostram escalada movida por necessidade e revolta. Já assaltante respeitado, mira o “engravatado” que treme “igual vara verde”: a elite que violentou e descartou. O reconhecimento (“sou seu pai”) não traz reconciliação, só o “desejo de justiça” que se deforma em vingança; os “sete tiros... calibre 357” selam o desfecho. A canção costura violência, abandono, drogas, crime, religião e vingança num ciclo em que o refrão indica saída espiritual, mas a realidade empurra para o acerto de contas — marca do rap dos anos 1990 e denúncia que não oferece reparação.