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A História de Um Traficante

Facção Central

LetraSignificado

    Me recordo de uns anos atrás dos tempos de criança
    O sonho dos brinquedos
    A inocência, ingenuidade
    A minha infância
    O mundo negro
    Na ponta dos dedos
    O futebol na quebrada, as brincadeiras, mil risadas
    Valia mais que qualquer dinheiro
    Nem me ligava no desespero que me rondava, uma coroa chorando de canto
    Depositando na sua oração a última esperança em cada palavra
    Mal me importava se no prato dificilmente havia carne, salada ou um rango suficiente
    Ou se o refrigerante era só em festa de vizinhos ou na minha mente
    Ou no olhar, em qualquer bar, no copo dos outros como sempre
    Ainda me lembro como a feira da goma era repetitiva
    Todo domingo frutas estragadas, tiradas do chão, até apodrecidas
    Uma cama, uma TV preto e branco, um fogão, um quarto dois por dois
    E uma família dividindo seus centímetros pelo chão
    Na escola o motivo de risada, olhar de nojo, pode crê, ladrão
    Eu tinha algo muito engraçado, as minhas roupas velhas e humildes
    Ou o meu tênis sola descolada, destacando os incontáveis inúmeros buracos
    A lista de material sempre foi um tiro de PT
    Preço maldito, um caderno pequeno, o lápis é o máximo que eu podia ter
    Era Natal e a bicicleta dos meu sonhos não chegou
    Papai noel era um playboy que a gente enquadrou
    No ano novo tava aí o meu presente, não desceu pela chaminé
    Busquei com várias no pente
    Se pá já tinha me empapuçado daquela goma inundada com água de esgoto
    Daquele prato só de enfeite ali do meu lado
    Eu mal tinha nascido só que já era hora de fazer do meu futuro ou meu enterro
    No fim eu vejo se tem lágrimas eu vejo quem chora
    O cardápio é recheado de caminhos
    Traficante, ladrão, viciado mais só um destino
    Outro menino que devia ir pra escola
    Outro menino que devia esta jogando bola
    Não derretendo no caximbo a sua história
    Nunca mais brinquedo sonhos, alegrias
    O céu agora é inferno, tático, revólver, paranoia
    Gramas de cocaína, tênis importado, dinheiro, relógio
    Uma 9 na cinta, agora essa é minha vida, adiantei meu velório
    O moleque tava ali, ninguém olhou até escorrer o sangue
    Criaram um demônio e esse é seu inferno, essa é sua história

    A história de um traficante

    A história de um traficante
    (Uma história com morte no fim)
    A história de um traficante
    (No meu velório rezem por mim)

    A história de um traficante
    (Uma história com morte no fim)
    A história de um traficante
    (No meu velório rezem por mim)
    (Rezem por mim)
    (Rezem por mim)

    É impossível não dizer que estou crescendo a olhos vivos
    Me montando no dinheiro, nos artigos
    Também nos inimigos minha cabeça está a premio, eu quero o que é meu
    O moleque cresceu e do cardápio traficante foi o que ele escolheu
    Tomei de assalto a quebrada já faz um tempo
    Sem miséria tem pedra, tem do branco à vontade, tem do preto
    Vários funcionários, um em cada esquina
    Fui coroado o rei daqui, o dono da cocaína
    Mês que vem lanço um carro
    E nem é necessário: Vídeo cassete, TV, um som, pra mim é tudo descartável
    Basta estalar os dedos vem como um imã, cai do céu
    Chove noite e dia pra mim, só tenho que definir o valor quanto é em papel
    Eu sou o Deus e os viciados são meus seguidores
    Sou o demônio e os noias são as minhas almas
    As vadias fazem fila na minha porta, um de 5, um de 10, por um foda
    Os meus amigos de infância estão no osso, só o pó, que triste imagem!
    Quantos estão no veneno, na cadeia, na busca do meu crack
    Semana passada em um velório eu parei pra pensar
    Sem minhas drogas esse moleque que eu vi nascer não estaria lá
    Eu fui olhado com ódio, nem pode dar meus sentimentos
    Uma tático descarrego sem dó, por um papel, quantos ferimentos?
    Chorei por dentro, é esse o lado ruim
    Cocaína com bicarbonato, dinheiro dobrado, mas um triste fim
    Eu enveneno porque fui envenenado
    Sou conseqüência de um vidro no farol fechado
    De migalhas no prato
    Não sou o primeiro nem o último do mundo
    E se não fosse traficante com certeza seria
    Um mendigo morrendo em qualquer viaduto
    Eu preferi envenenar ao invés de comer lixo
    Se eu sou demônio desse inferno tenho vários cúmplices comigo
    É isso aí, eu me levanto fodendo os outros
    Pago acerto pra polícia, compro a minha liberdade e a minha morte aos poucos
    O moleque estava ali, ninguém olhou até escorrer o sangue
    Criaram um demônio e esse é seu inferno, essa é sua história
    A história de um traficante

    A história de um traficante
    (Uma história com morte no fim)
    A história de um traficante
    (No meu velório rezem por mim)

    A história de um traficante
    (Uma história com morte no fim)
    A história de um traficante
    (No meu velório rezem por mim)
    (Rezem por mim)
    (Rezem por mim)

    Hoje o dia amanheceu nublado
    Lá na esquina, mal vejo bem, mas tem um carro
    Ontem não foi um bom dia, não teve lucro
    Um vacilão não segurou, lançou a boca, apreenderam tudo
    Pela primeira vez na vida Deus viu meu lado
    Eu consegui dar fuga, me joguei pelos muros
    Fugi pelos telhados
    Toda farinha, pedra e armamento, tudo já era
    Destruíram minha goma, zuaram minha família, que merda!
    O carro lá da esquina dá a partida se aproxima e agora
    Vários revólveres na cara engatilhados
    Chegou a hora
    É um gambé da minha folha de pagamento querendo o seu da semana
    Explicação não conta, só lamento
    Até a meia noite é o prazo
    Sem o dinheiro amanhã tem velório e adivinha quem é o finado?
    Só criei inimigos na porra dessa vida
    Agora quem estende a mão pro rei da cocaína?
    Será quem vou me envenenar com o meu próprio veneno
    São 9 horas, não vendi nada, nem levantei um terço do dinheiro
    Já acendi a minha vela, já fiz a minha oração
    Eu não dei fuga da fome pra qualquer prego me manda pro caixão
    Relembro minha família todo veneno, tretas, tudo que eu atropelei
    Uma vida no lixo é impossível voltar daqui do lugar que eu cheguei
    Já entupi minha PT até a boca
    Na hora certa o primeiro tiro na cabeça
    Define quem segue nessa porra
    Infelizmente já chegou a hora
    É outra meia noite em ponto comum pra nós
    E o demônio estende a sua mão
    Em forma de um carango preto com vários fulanos
    Morrer é em uns segundos
    Numa fração vários fulanos sedentos de sangue
    Armados de PT, oitão, jogando várias de 12
    Um na cabeça, um no peito e um no rosto
    E a criança miserável que perdeu na vida
    Foi resumida apenas um outro corpo
    O sangue escorre pela calçada e a mãe de um moleque que morreu nas drogas
    Num um gesto humano com um jornal cobre minha cara
    Serei mais um inquérito em qualquer defesa
    Jamais lembrado, nunca apurado, esquecido
    Aqui se cria o demônio, depois de bate na cadeias, nas favela
    Com rajadas de tiros
    É outra história de um outro pobre brasileiro
    Não interessa o caminho, sempre o mesmo destino
    Caixão, polícia, tiro, enterro
    O rabecão do IML muito tempo depois vem chegando
    Jogado como um lixo pra dentro
    A última folha da história de um traficante vai se virando

    (Rezem por mim)
    (Rezem por mim)

    A história de um traficante
    (Uma história com morte no fim)
    A história de um traficante
    (No meu velório rezem por mim)

    A história de um traficante
    (Uma história com morte no fim)
    A história de um traficante
    (No meu velório rezem por mim)
    (Rezem por mim)
    (Rezem por mim)


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