Idolatrine

“Idolatrine”: fé-espetáculo, culpa e manipulação pelo medo

Em “Idolatrine”, do Ghost, o trocadilho do título — idolatria + latrina — já rebaixa a devoção ao esgoto e expõe a fé como espetáculo. A voz que narra é a do próprio manipulador, que se gaba de atiçar culpa e medo para governar “puerile minds” (mentes infantis) e “simpletons” (simplórios). O cinismo aparece em “Imaginations fed to children, it has served me well” (Imaginações dadas às crianças, isso me serviu bem) e na imagem de um inferno escondido nas entranhas da terra — arsenal clássico para dobrar vulneráveis. O refrão “Idolatrine for the imbeciles… debiles and the simpletons” (Idolatrine para os imbecis… débeis e simplórios) revela o desprezo do pregador. Já “Lord of silence / Desolated one / Vengeance is his” (Senhor do silêncio / Desolado / A vingança é dele) convoca um ente nebuloso para legitimar o terror.

A letra torce a Bíblia quando cita “Suffer little children to come unto me” (Deixai vir a mim as criancinhas) para concluir “grant me sovereignty” (concedam-me soberania). Onde deveria haver acolhimento, entra domínio. O alvo são os mais impressionáveis, inclusive “little princes and princesses” (pequenos príncipes e princesas), num retrato de líderes religiosos que transformam culpa e medo em ferramenta de controle.

Quando declaram “An existence as a human / Is leaden monotony / With all desires drowned / Impure sanctimony” (Uma existência como humano / É monotonia pesada / Com todos os desejos afogados / Santimônia impura), criticam a moralidade que sufoca desejos naturais e vende uma santidade viciada em repressão. “Disciples of the watch awaits at my command” (Discípulos da vigília aguardam meu comando) dá ares de seita disciplinada, e a pompa musical que lembra cultos norte-americanos reforça a sátira ao teatro religioso. No centro, “Idolatrine” desmonta a fé cega e a idolatria de líderes carismáticos, e sugere desconfiar de quem exige obediência antes de oferecer verdade.