Coração

“Coração”: coragem de sentir na abertura de Gonzaguinha

Em “Coração”, Gonzaguinha conversa com o próprio coração como quem chama um guardião interno a destrancar a vida. A imagem da porta aberta — “Coração abre essa porta” e “Deixa entrar a vida” — marca a virada que ele viveu no fim da ditadura: depois de anos de censura e enfrentamento, passou a compor canções de abertura afetiva que o público acolheu. Isso se liga a “Explode Coração”, cuja ideia de “deixar a vida entrar sem pedir licença” ressoa aqui. Também ecoam suas relações intensas, inclusive a complexa com o pai, Luiz Gonzaga: a canção valoriza a conexão e a expressão genuína — “Melhor a emoção de tudo que acontece em volta da gente” — e recusa a blindagem emocional.

O eixo é a coragem de sentir: viver vale mais que se proteger. As metáforas organizam essa mensagem com clareza. “Porta aberta” é disponibilidade ao mundo e também espelha a abertura política do período; “trem das cores” sugere a passagem vibrante e diversa da vida, aquilo que “uma existência pode perceber”; “porta fechada/festa acabada” aponta estagnação, como se negar-se a sentir fosse ficar do lado de fora da própria história — “Vale nada porta fechada... Melhor morrer”, hipérbole que escancara o custo da anestesia. A voz fala ao coração com afeto e firmeza, reconhece a dor — “pouco importa se é pra sofrer” — e mostra que até o pranto tem valor — “chorar saborosamente”. No conjunto, “Coração” condensa a ética de Gonzaguinha: abrir-se para a vida inteira, porque só assim se vive de verdade.