Carneada
Ita Cunha
A estância acorda mais cedo
Um galo canta mais forte
Um ventito puxa o norte
Pras barras da madrugada
No galpão a peonada
Toca uma charla entretida
Que depois da recolhida
Vão lidar numa carneada
Ao tranco pra uma mangueira
Que a tambeira mostra o rumo
Entra junto pra o consumo
A vaca gorda e falhada
Uma preta azebuada
Que o trevo afirmou a graxa
E hoje no mais se agaixa
No fio da faca afiada
Cavalo manso encilhado
Sovéu e o laço nos tentos
Nesta lida que é o sustento
Pra mesa do chão fronteiro
Solta o sovéu pescoceiro
Num tiro certo e preciso
E pra sombra de um paraíso
Se vai cinchando o campeiro
O sangrador coloreia
O cheiro que o sangue pulsa
Num berro a vaca debruça
Como se fosse oração
Numa prece pra o rincão
Que viu nascer a terneira
E hoje tem na carneadeira
Sua última comunhão
Riscando o couro começa
As patas e a barrigueira
E a chaira nem que não queira
Não se aparta da carneada
Volta e meia uma chairada
Como quem toca de ouvido
Já tem o couro tendido
Na milonga mais afiada
Serra o peito e ata a goela
Com a virilha deitada
O coração arinhonada
E apartando as frissuras
E quando a carne pendura
Num gancho pra ir oreando
Tem o Rio Grande Mostrando
No campo a força e a fartura
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