Hallelujah

A dualidade entre sagrado e humano em “Hallelujah” de John Cale

Na versão de “Hallelujah” interpretada por John Cale, a escolha por versos mais ousados e menos ligados à religiosidade, retirados das várias páginas enviadas por Leonard Cohen, desloca o foco da música para experiências humanas intensas e ambíguas. Cale evita as passagens de tom estritamente espiritual e transforma o "Hallelujah" em uma expressão de aceitação resignada diante das imperfeições e dores do amor. Isso fica evidente no trecho “Love is not a victory march / It's a cold and it's a broken Hallelujah” (“O amor não é uma marcha de vitória / É um aleluia frio e partido”), onde o refrão, tradicionalmente associado ao louvor, ganha um tom melancólico e terreno, refletindo sofrimento e desilusão.

A letra alterna referências bíblicas, como o “secret chord” de Davi e a história de Sansão e Dalila em “She broke your throne, she cut your hair” (“Ela quebrou seu trono, ela cortou seu cabelo”), com imagens de relacionamentos marcados por traição, desejo e perda. Cale destaca a dimensão emocional dessas histórias, sugerindo que o sagrado e o profano se misturam na experiência amorosa. O verso “And every breath we drew was Hallelujah” (“E cada respiração que dávamos era Aleluia”) mostra como momentos de intimidade podem ser vividos como experiências quase religiosas, mesmo quando permeados por fragilidade. O arranjo minimalista, centrado no piano e na voz, reforça a atmosfera introspectiva, tornando cada repetição do “Hallelujah” um eco de resignação e busca de sentido diante da dor e da impermanência.