SANTO (part. Malka e Linn da Quebrada)

Religião e resistência em "SANTO (part. Malka e Linn da Quebrada)"

"SANTO (part. Malka e Linn da Quebrada)", de Katy da Voz e As Abusadas, destaca-se por unir referências religiosas tradicionais à vivência marginalizada de pessoas trans e travestis. A música cria um contraste marcante entre o sagrado e o cotidiano de quem sobrevive à margem da sociedade. O verso “Santo é uma figura pública / Revelada numa foto 3x4” ironiza a ideia de santidade, aproximando-a da burocracia e da exposição pública. Já “abençoa a família brasileira / Todas as mesa de fartura e bebedeira” questiona o moralismo e a hipocrisia presentes em discursos religiosos tradicionais. Essas ironias se conectam à inspiração do álbum na figura de Claudia Wonder, ícone da resistência LGBTQ+ e do underground paulistano, reforçando o tom provocativo e crítico da canção.

A letra também revela vulnerabilidade e busca por proteção, especialmente em “Sou eu, a travesti que ronda na madrugada em busca da paz sagrada / Santo, me proteja essa noite”. Aqui, a espiritualidade surge como refúgio diante da violência e do preconceito, mas sem perder o tom de enfrentamento: “Tá dura? Raspa o cu e vai pra rua / Tira a roupa e fica nua / Teu arô é sua luta, prostituta”. Esse trecho explicita a realidade de muitas travestis e pessoas trans, que recorrem à prostituição para sobreviver, ao mesmo tempo em que reivindicam força e dignidade. A participação de Linn da Quebrada, conhecida por usar o funk como ferramenta política, intensifica a mensagem de resistência e empoderamento.

No final, a música ressignifica a santidade ao afirmar: “Eu sou filha de Santo / Minhas guardiãs são as minhas entidades / Exu te abençoa, Exu te mostra a verdade”. Ao se declarar filha de Exu, figura central das religiões de matriz africana e alvo de preconceito, a canção celebra a ancestralidade e a proteção espiritual fora dos padrões cristãos. "SANTO" se transforma em um hino de afirmação identitária, misturando crítica social, orgulho e espiritualidade, e mostrando que cada um pode ter seu próprio santo, mesmo que a sociedade tente negar essa santidade.