Black Burning Heart

Entre fuga e consolo em “Black Burning Heart”, do Keane

“Black Burning Heart” usa imagens de luto para falar de desaparecimento. “The sky will be my shroud” (o céu será meu sudário) e “A cenotaph of cloud” (um cenotáfio de nuvens) transformam o impulso de sumir num memorial suspenso. Esse desejo se cruza com uma intimidade que roça o autolesivo: “Cut the skin, let me in” (corta a pele, deixa eu entrar). Ao pintar a vida como algo que “feeds off the weak” (se alimenta dos fracos), a letra justifica a vontade de afundar nos “cellars of the sea” (porões do mar) e “never to be seen again” (para nunca mais ser visto). A fratura é assumida — “you can’t paper over the crack” (você não consegue encobrir a rachadura) — e o refrão “your heart will burn black” (seu coração vai queimar até ficar preto) sugere amargura e esgotamento, não só dor.

Há um desalento existencial em “Everything is here forever, till it goes” (tudo está aqui para sempre, até que se vá) e no desencontro de “Forgotten my way home… Everyday a false start” (esqueci o caminho de casa... todo dia um falso começo). O verso em francês cantado por Anaël Train — “Je souhaiterai m’immerger dans les profondeurs des mers / Y disparaître pour ne plus jamais être vu” (eu gostaria de mergulhar nas profundezas dos mares / e desaparecer ali para nunca mais ser visto) — reforça literalmente a evasão, ampliada pelo piano proeminente. A fusão pedida em “The molecules of us / bleeding into one again” (as moléculas de nós / se misturando até virar uma de novo) pode ser consolo amoroso ou dissolução de identidade. No arranjo da fase Perfect Symmetry (2008), com Jesse Quin em guitarra, baixo, percussão e backing vocals, a corrida sem mapa — “I’m racing down a road I don’t recognise” (estou correndo por uma estrada que não reconheço) — alterna impulso e vazio, mantendo a tensão entre desaparecer e buscar abrigo em alguém.