FEAR.

O ciclo do medo e herança coletiva em “FEAR.” de Kendrick Lamar

Em “FEAR.”, Kendrick Lamar explora como o medo se transforma ao longo de sua vida, conectando experiências pessoais a uma herança coletiva marcada por questões raciais, sociais e espirituais. A música utiliza mensagens de voz do primo Carl, que cita o Deuteronômio, para inserir uma perspectiva bíblica sobre o sofrimento. Essa referência sugere que as dificuldades enfrentadas por Lamar e sua comunidade são vistas como uma maldição histórica, transmitida de geração em geração, especialmente entre negros, hispânicos e indígenas nos EUA, conforme a interpretação apresentada na faixa.

A letra é dividida em três fases da vida de Kendrick. Aos 7 anos, o medo aparece na forma de violência doméstica e disciplina rígida, evidenciado nos versos repetidos “I beat yo ass...” (Eu vou bater em você...), mostrando como o medo é imposto desde cedo como forma de controle. Aos 17, o medo se manifesta na iminência da morte e da violência urbana, com versos como “I'll prolly die because these colors are standin' out” (Provavelmente vou morrer porque essas cores se destacam) e “I'll prolly die from one of these bats and blue badges” (Provavelmente vou morrer por causa desses tacos e distintivos azuis), que expõem tanto o risco de gangues quanto a violência policial. Aos 27, o medo se torna existencial, ligado à perda do sucesso e da identidade, como em “At 27, my biggest fear was losin' it all” (Aos 27, meu maior medo era perder tudo). Aqui, Kendrick questiona se sua ascensão é uma bênção ou uma provação divina, evocando a história bíblica de Jó.

A repetição do desejo de “smoke fear away” (fumar para afastar o medo) mostra a busca por alívio temporário, mas também ironiza a dificuldade de escapar dos medos mais profundos. O ciclo se fecha com a reafirmação da maldição coletiva e a necessidade de retorno às “leis, estatutos e mandamentos” para romper esse ciclo, como reforçado nas mensagens finais de Carl. “FEAR.” se destaca como um retrato honesto dos medos que atravessam a vida de Kendrick Lamar, ao mesmo tempo em que denuncia as raízes históricas e sistêmicas desses temores.