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Canto Ancestral

Lisandro Amaral

LetraSignificado

    Eu canto,
    Pela mesma razão
    Que obriga a calhandra
    A povoar o capão de coronilhas
    De rebanhos de notas
    E tropilhas de sons...
    Pela mesma razão
    Que força o arroio a correr
    E o umbu a dar sombra
    E crescer.

    Meu bisavô farroupilha
    Cujas mãos na guerra eram garras,
    Eram flor na guitarra,
    Eram luz no rincão,
    Abriu-me picadas para sonoras liberdades!
    Remarcou fronteiras flutuantes,
    Espichou os lançantes até o uruguay.
    E lutando,
    E cantando,
    Legou-me hombridade,
    Um rumo
    E canção,
    Era um diabo -- hoje é santo!
    Por isso eu canto!

    Meu bisavô farrapo
    Changueador, vaqueano e vago,
    Que era paria, era lixo, era trapo,
    Hoje é luxo,
    Hoje é guapo...
    Hoje é rua, é praça, hoje é busto...
    (Que susto levaria
    Se saltasse da pradaria
    Que serviu de campo santo!)
    A história mudou -- e quanto!
    Por isso eu canto!
    Eu canto!
    Eu canto!

    Meu vago ancestral charrua,
    Cuja figura nua,
    Ondeando o lombo do flete
    Mesclando melena e crina,
    Evitou que essa campina

    Um dia virasse brete
    De aventureiros errantes...
    Enfrentou os bandeirantes,
    Lusitanos e espanhóis,
    Chuvas, pampeiros e sóis,
    Porque a terra tinha dono.
    Hoje é cidade, tem trono!
    A história mudou -- e quanto!
    Na teologia das avós,
    - Duzentos anos após --
    Sepé tiaraju é santo!
    Por isso eu canto!
    E canto
    E canto!

    Cantar, para mim,
    É um fatalismo telúrico,
    Um determinismo da raça.
    Meu bisavô era umbu
    E eu calhandra em seu galho;
    Meu bisavô era bambu
    Que os tempos fizeram lança.
    Que os ventos fizeram quena...
    E eu, conseqüência apenas
    Desses tempos,
    Desses ventos,
    Me transformei em canção!
    E canto para os de então!
    E canto para os de então!

    Outros mais terão motivos
    Para celebrar os vivos
    Que reinam, falam em paz.
    Eu, que sou pássaro triste,
    Bagual e de pouca voz;
    Eu, que escutei as avós
    Eu, que não conheço alpiste,
    Cantarei os da culatra:
    Esses que fizeram pátria!
    Cantarei sempre os de trás!


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