A Via-Láctea

“A Via Láctea” e a grandeza do grão no cotidiano cósmico

“A Via Láctea” transforma a pequenez do “grão de areia” em grandeza ao afirmar “grão de tão pequeno ser tão grande”. Essa virada sintetiza a proposta do álbum A Via Láctea, composto por Lô Borges com Ronaldo Bastos e gravado em 1979, com calma, sob produção de Milton Nascimento: mirar o cosmos para falar da vida comum. As imagens de movimento — “vendaval, carrossel”, “pé na estrada, pó de estrelas” — apresentam a existência como algo que não para, entre céu e mar. O refrão com “coração vulgar” destaca a humanidade simples: qualquer pessoa que navega no céu e no ar, pequena como um “grão de areia” que vaga na espuma do mar. O efeito é a sensação dupla de ser mínimo diante do universo e, ao mesmo tempo, tocado por ele.

A letra organiza uma viagem. “Caravela” e “pão e mel” sugerem deslocamento e sustento afetivo; “circo”, “picadeiros” e “primaveras” indicam ciclos de espetáculo e renascimento. Depois surgem “barricadas” e “cordilheiras”, obstáculos e alturas; ainda assim, a vida “anda que nem bola” e “rola como anda”, impulsionada por uma “fonte de calor”. Ao final, “aventuras, cicatrizes” convivem com “diamantes, universo”: perdas e marcas que lapidam, diante de um horizonte amplo que renova a esperança. Expressões como “pó de estrelas” podem remeter tanto à origem cósmica da matéria quanto ao sonho que orienta o caminho. Já “coração vulgar” aponta para o coração comum, capaz de tocar a grandeza. A linguagem simples e repetitiva reforça esse movimento: a canção rola como carrossel, e a vida segue, pequena e imensa, navegando.