Disritmia

Afeto e vulnerabilidade no samba “Disritmia” de Martinho da Vila

Em “Disritmia”, Martinho da Vila utiliza a palavra do título como metáfora para o descompasso emocional causado pelo amor e pela vida boêmia. O termo, que originalmente se refere a um ritmo cardíaco irregular, ganha um duplo sentido: representa tanto o coração apaixonado quanto o desequilíbrio de quem vive noites de excessos e retorna para casa “de porre”. O artista explora essa ambiguidade ao mostrar o personagem que, após a boemia, busca aconchego e cuidado, como nos versos “Vem logo, vem curar seu nego / Que chegou de porre lá da boemia”. Aqui, Martinho mistura vulnerabilidade e humor, retratando alguém que reconhece suas fraquezas e pede carinho de forma leve e bem-humorada.

A letra traz imagens íntimas e afetivas, como “me esconder debaixo dessa sua saia” e “me embrenhar no emaranhado desses seus cabelos”, expressando o desejo de proteção e afeto. Expressões como “trazer num dengo pra num cafuné” reforçam a busca por gestos simples de carinho, enquanto a frase “exorcizado pela água benta desse olhar infindo” transforma o olhar da pessoa amada em um ritual de cura, misturando religiosidade, sensualidade e leveza. O humor aparece na autodepreciação do “coração, que é tão vagabundo” e na forma como o personagem se coloca como alguém que precisa ser “curado” tanto do porre quanto da própria desordem emocional.

Lançada durante a ditadura militar, a música quase foi censurada pelo verso sobre o “porre”, o que evidencia seu diálogo com temas de liberdade e transgressão, mesmo de maneira sutil. Ao longo do tempo, “Disritmia” ganhou novas interpretações, inclusive femininas, mostrando seu caráter universal e a identificação de diferentes públicos com esse samba sobre amor, vulnerabilidade e desejo de aconchego.