Ez Ata Fala Di Nha Vida

Vivências e resistência em "Ez Ata Fala Di Nha Vida" de Mota JR

Em "Ez Ata Fala Di Nha Vida", Mota JR escolhe rimar em crioulo cabo-verdiano, mesmo sendo português, para afirmar sua identidade e conexão com uma cultura de resistência e marginalidade. Essa escolha linguística reforça o sentimento de pertencimento a uma comunidade marcada por múltiplas influências e pela exclusão social. O verso “Ez ata fala di nha vida, mah ez ka sabi di nada” (“Eles vão falar da minha vida, mas eles não sabem de nada”) expressa o incômodo do artista com julgamentos superficiais sobre sua trajetória, um tema comum no rap, mas aqui intensificado pelo contexto das periferias portuguesas, onde a desconfiança e a hostilidade são constantes.

A letra retrata o cotidiano difícil da Baixada, periferia de Lisboa onde Mota JR cresceu. Ele destaca a importância da lealdade ao grupo (“A nós é maz di trinta manu / Tudu na memo kebrada”), a presença constante da polícia e a necessidade de estar sempre alerta para sobreviver. O trecho “Pa n'para di bendi droga? / Só si n'ten un casa sima di presidente” (“Para parar de vender droga? Só se eu tivesse uma casa como a do presidente”) evidencia a falta de oportunidades e a pressão para entrar no tráfico como única alternativa financeira, além de ironizar a distância entre a favela e o poder. As referências às mulheres, muitas vezes de forma crua, refletem tanto a dureza do ambiente quanto relações marcadas por desconfiança.

O refrão e os versos finais reforçam o aviso para que não se fale da vida alheia sem conhecimento, e a ameaça implícita de violência surge como resposta à hostilidade do meio: “Bu ata fala di nha vida, cuidado, boka fitxadu / Putos di Baixada ta circula sempri armado” (“Você vai falar da minha vida, cuidado, boca fechada / Os garotos da Baixada estão sempre armados”). O uso do crioulo e das gírias aproxima Mota JR de sua comunidade e legitima sua voz como representante de uma juventude que enfrenta diariamente a luta por respeito e sobrevivência. Lançada anos antes de sua morte trágica, a música se torna um retrato ainda mais forte da realidade dura das periferias portuguesas.