Running

“Running” e a perseguição sem fim que molda o corpo

O imaginário de água e encanamento — “we left the fucking water running” (deixamos a porra da água correndo), “shit you’re flushing” (a merda que você está jogando no esgoto) — ganha ironia com o contexto real: as gravações migraram para o Shangri-La depois que o estúdio de Andrew Watt foi danificado por uma enchente. A forma reforça o tema: em pouco mais de dois minutos, com energia punk e “vocais de gangue”, o Pearl Jam transforma a sensação de estar sob perseguição constante em impacto físico. O baixo de Jeff Ament puxa a correria, enquanto o refrão martela o ciclo sem saída: “Got me running... the race, it never ends” (me fez correr... a corrida nunca termina), com a hipérbole “till the second coming” (até a segunda vinda) indicando que não há alívio à vista. “Dictator, love hater” (ditador, que odeia o amor) aponta para forças opressoras — políticas, afetivas ou da indústria — e “Victrola, controller” (Victrola, controlador) sugere ficar preso a velhos discos/algoritmos que ditam o ritmo.

As imagens repetem o sufoco e o colapso: “lost in the tunnel” (perdido no túnel) reduz o horizonte; “got me diving... I get the bends” (me fez mergulhar... sofro a doença da descompressão) converte a pressa em dano físico. A ponte elogiada por Stone Gossard soa como falsa brecha: “Was cleared for lift off / Aborted my take off” (fui liberado para decolar / abortei a decolagem) tenta a fuga e falha, seguida por “a date with the gallows” (um encontro com a forca), sem “reprieve” (perdão). Tudo retorna ao gatilho externo — “you got me running” (você me fez correr) — reforçado pelos “vocais de gangue” que soam como massa pressionando. No fim, forma acelerada e conteúdo se fundem: corrida sem fim, pressão reciclada e a consciência crua de que o sistema — relação tóxica, poder autoritário ou engrenagem cultural — mantém o corpo sempre em fuga.