Anyone Can Play Guitar

“Anyone Can Play Guitar” Entre ambição e autoironia

“Anyone Can Play Guitar”, do Radiohead, satiriza o mito do rockstar e expõe o pavor de ser ninguém. O alvo é o arquétipo à la Jim Morrison: Thom Yorke desprezava a idolatria e a pose, por isso versos como “Grow my hair... I am Jim Morrison” (Crescer meu cabelo... eu sou Jim Morrison) soam como paródia, não como proclamação. A repetição atua como bravata e autoengano, colada ao pedido ansioso “Destiny, protect me from the world” (Destino, proteja-me do mundo). O contraste entre “with our running and confusion” (com nossa correria e confusão) e “I don’t see no confusion anywhere” (não vejo confusão em lugar nenhum) revela a negação como defesa: o mundo é caótico, ele finge controle.

O apocalipse surge como reinício e esconderijo: “if London burns / I’ll be standing on the beach with my guitar” (se Londres queimar / estarei de pé na praia com minha guitarra) transforma praia e guitarra em bunker emocional — não é heroísmo, é fuga com pose. “I want to be in a band when I get to heaven” (quero estar em uma banda quando chegar ao céu) mistura esperança infantil e desejo de pertencimento; enquanto “anyone can play guitar and they won’t be a nothing any more” (qualquer um pode tocar guitarra e não vai ser mais um ninguém) democratiza o sonho e admite que reconhecimento é outra história. No palco, Yorke encenou essa crítica: gritou “gordo, feio, morto!” e pulou numa piscina com microfone, quase se eletrocutando — gesto que flerta com o espetáculo autodestrutivo à sombra de Morrison. No estúdio, a piada virou método: o produtor Paul Kolderie pôs todo mundo — até o cozinheiro — para tocar na intro, e Jonny Greenwood usou um pincel, desmistificando o virtuosismo. Anos depois, a frase batizou o documentário Anyone Can Play Guitar sobre a cena de Oxford, reforçando a tese central.