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Confissão de Caboclo

Rolando Boldrin

LetraSignificado

    Sinhô, doutor, delegado
    Digo a vossa senhoria
    Que inté ontem eu fui casado
    Com a muié que em vida
    Se chamou Rosa Maria

    Nós casemo e nós vivia
    Como pobre, é verdade
    Mas a gente se sentia
    Rico de felicidade

    Lá pras banda onde eu morava
    No lugar Chão da Cutia
    Morava tombém um cabra
    Chamado Chico Faria

    E esse cabra antigamente
    Tinha gostado de Rosa
    Chegaro inté a ser noivo
    Mas num fizero a introza do casamento
    Prumode um padrinho de Maria
    Ter desmanchado essa prosa

    Entoce depois que nós casemos
    O meu rijume era viver trabalhando
    Sem da muié ter ciúme

    A muié, por sua vez
    Nunca me deu cabimento
    De eu pensar que ela fizesse
    Um dia um farcejamento

    Mas, seu doutor
    Tome tento no resto da minha história
    Que o ruim chegou agora

    Se não me falha a memória
    Já faz assim uns três mês
    Que o moço, Chico Faria
    Quase sempre, mais das vez
    Todo prosa, todo ancho
    Visitava o meu rancho

    Por aí desconfiado
    Como quem quer e não quer
    Eu fui vendo que o marvado
    Tentava a minha muié
    Ou tentação ou engano
    Eu fui vendo a coisa feia
    Pro derradeiro eu já tava
    Com a mosca detrás da orelha

    Ontem, já de tardezinha
    Meu compadre, o Quinca Arruda
    Me chamou pra nós dança
    Num samba lá na Varginha
    Na casa de mestre Duda

    Entonce Rosa Maria
    Sempre gostou de sambar
    Mas, porém, de tardezinha
    Me disse desconfiada
    Que pro samba ela não ia
    Que tava meio enfadada
    Que precisava se deitar

    Eu fiquei desconfiado
    Com a preposta da muié
    Depois que tomei café
    Quase puro, sem mistura
    Com a faca na cintura
    Fui pro samba, fui sambar

    Cheguei no samba, doutor
    Arrepara agora, o sinhô
    Quem era que tava lá?
    O moço Chico Faria
    Qui quando foi me avistando
    Foi logo me preguntando
    Cadê siá dona Maria?
    Num veio não, pra dançar?
    Não sinhô, ficou em casa
    Pro cabôco arrespondi

    Senti entonce uma brasa
    Queimando meu coração
    Nunca mais pude tirar
    As palavra desse cabra
    Da minha imaginação
    Perdi o gosto da festa
    E não pude dançar, não

    O cabra, por sua vez
    Num dançava, seu doutor
    De vez em quando me olhava
    Assim com um olhar de traidor
    Meia-noite mais ou meno
    Se despedindo da festa, disse
    Adeus, que eu já vou

    Quando ele se arretirou
    Eu também me arretirei
    Atrás dele, sim, sinhô
    Ele na frente, e eu atrás
    Se o cabra andava depressa
    Eu andava muito mais
    Noite escura feito breu
    Nem eu enxergava o cabra
    Nem o cabra via eu

    Sempre andando, sempre andando
    Ele na frente, eu atrás
    Já nem se escutava mais
    A voz do fole tocando
    Na casa de mestre Duda
    A noite tava mais negra
    Que a consciência de Juda

    Sempre andando, sempre andando
    Eu fui vendo, seu doutor
    Que o marvado ia tumando
    Direção da minha casa
    Minha casa, sim, sinhô
    Já pertinho do terrero
    Eu me escondi por detrás
    De um pé de trapiazeiro

    E abaixadinho e escondido
    Prendi a suspiração
    Pra mió ver e ouvi
    Qual era a sua intenção

    Seu doutor, repare bem
    Do mesmo jeito que faz
    Um ladrão pra ver alguém
    Num tendo visto ninguém
    Ele na minha porta bateu
    E lá de dentro uma voz
    Bem baixinho arrespondeu
    Ele entonce, cá de fora
    Quem tá batendo sou eu

    Nisso, eu vi abrir a porta
    Ah, seu doutor, a esperança tava morta
    Tava morto o meu amor
    E na escurideza da noite
    Uma voz se escutou

    Tá aqui seu Chico, essa carta
    Que há tempo tinha escrevido
    Pra mandar pra vós mecê
    Por favor, num leia agora
    Vá simbora, vá simbora
    Que quando chegar em casa
    Tem muito tempo pra ler

    Quando minhas oiça ouviu
    As palavra que Maria
    Dizia pro desgraçado
    Eu fiquei assim, amalucado
    Fiquei assim, como um cabôco
    Quando tá cheio de espírito
    Dum salto como um cabrito
    Eu tava nos pés do cabra
    E sem querer dei um grito
    Miserave!
    E arrastei minha faca da cintura

    Ah, seu doutor
    Naquela hora eu vi o Chico Faria
    Na beira da sepultura
    Mas o cabra teve sorte
    Sempre nessas circunstância
    Os cabra foge da morte

    Correu o cabra, doutor
    Tão vexado que deixou
    A carta cair no chão
    Dei de garra no papel
    O portador da traição
    E machuquei nas minha mão
    A honra, doutor, a honra
    Daquela farsa muié

    Aquela muié que um dia
    Me jurou aos pé do altar
    Que enquanto tivesse vida
    Haverá de me honrar
    E me amar com todo amor
    Depois olhando pra carta
    Tive pena, seu doutor
    De num ter aprendido a ler
    Pra ler ali nas letra escrevida
    As palavra que Maria dizia pro traidor
    Tive pena, sim sinhô
    Mas que haverá de fazer
    Se eu nunca aprendi a ler
    Maria me atraiçoô

    E quando eu vi a miserave
    Na escurideza da noite
    Dos meus óio se esconder
    Sem deixar nem sombra inté
    Entrei pra dentro de casa
    Pra me vingar da muié

    Doutor, que hora minguada
    Maria tava ajoelhada
    Chorando com as mão posta
    Como quem faz oração
    E olhando pra mim, pedia
    Pelo cálice, pela hóstia
    Por Jesus crucificado
    Pelo amor que eu lhe afava
    Que eu num fizesse isso não

    Mas eu tava, doutor
    Eu tava cego de raiva, de paixão
    Sem dizer uma palavra
    Agarrei nas suas mão
    Levantei ela pra riba
    E enterrei até o cabo
    O ferro da Parnaíba
    Por riba do coração
    Salvei a honra, doutor
    Salvei a honra
    A pois não

    Depois que eu vi
    A Maria cair sem vida no chão
    Vim falar com vós mecê
    E confessar o meu crime
    E me entregar as prisão
    Se o senhor não acredita
    Se eu sou criminoso ou não
    Tá aqui a faca assassina
    Olha o sangue na minha mão
    E como prova da traição
    Tá aqui a carta, doutor

    Eu lhe peço um grande favor
    Antes de vossa mecê
    Me mandá lá pras prisão
    Me leia aqui essa carta
    Pra eu saber como Maria
    Preparava a traição

    (Seu Chico, Chão da Cotia
    Digo a vossa senhoria
    Que só lhe faço essa carta
    Pro sinhô ficar sabendo
    Que eu não sou a muié
    Que o sinhô tá entendendo

    Se o sinhô continuar
    Com seus debique atrevido
    O jeito que tem é contar
    Tudo, tudo a meu marido
    Se o sinhô é enxerido
    Encontrou uma muié forte
    O nome de meu marido
    Eu honro inté minha morte
    Sou de vossa senhoria
    Sua criada, Maria)

    Doutor!
    Doutor, o que é que eu tô ouvindo?
    Vós mecê leu essa carta ou não leu?
    Tá me iludindo?
    Maria tava inocente?
    Hein, seu doutor? Me responde!
    Matei Maria inocente?
    Por quê, seu doutor, por quê?

    Matei Maria somente
    Por que num aprendi a ler
    Infeliz de quem não leu
    Uma carta do ABC

    Imagina agora, oh, doutor
    Como é grande o meu sofrer
    Sou duas vez criminoso
    Que castigo, seu doutor
    Que miséria, que horror
    Que crime não saber ler


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