Xique-xique

Imaginário e inversões em "Xique-xique" de Tom Zé

"Xique-xique", de Tom Zé em parceria com José Miguel Wisnik, propõe uma nova forma de enxergar o mundo ao transformar a cegueira em ponto de partida para a criatividade. O verso “Eu vi o cego lendo a corda da viola” desafia a ideia de limitação, mostrando que a percepção vai além da visão física e pode ser ampliada pela imaginação. Essa inversão aparece também em “Vi cego preso na gaiola da visão”, onde a visão, geralmente associada à liberdade, é apresentada como uma prisão, reforçando o tom questionador e surreal da letra.

A música mistura referências do cotidiano nordestino, como a cabra cega e a zabumba, com imagens cósmicas e religiosas. Trechos como “Vi a galáctea branca na galáctea preta / Eu vi o dia e a noite se encontrá” brincam com opostos e encontros improváveis, expandindo o universo da canção para além do sertão. Expressões como “a réplica da réplica da bíblia / Na invenção dum cantador de ciençá” destacam a criatividade popular e a reinvenção da tradição, enquanto “Vi o cordeiro de Deus num ovo vazio” mistura símbolos cristãos com o absurdo, sugerindo tanto a busca por sentido quanto a aceitação do mistério.

Criada como trilha para o espetáculo "Parabelo" do Grupo Corpo, "Xique-xique" reforça seu caráter experimental e aberto a múltiplas interpretações. A polêmica sobre o uso político da música em 2020 mostrou como suas imagens podem ser apropriadas de diferentes formas, mas Tom Zé e Wisnik afirmaram que a intenção é provocar reflexão, não servir a discursos fechados. Assim, a canção convida o ouvinte a enxergar o mundo de maneira inventiva, misturando tradição popular e experimentação.