Adaga

Dor ritual e ruptura em “Adaga”, de Trash Poll e fúria

“Adaga” transforma a autodestruição em método de crescimento. A promessa de “procuro evoluir” surge dentro de um cenário de dor ritualizada (“Adentrando o inferno / Eu não pretendo sair”), como se atravessar o sofrimento fosse requisito de mudança. Isso se alinha à estética híbrida de Trash Poll entre rap e metal — presente em lançamentos como “escória”, “METALDEINTERNET pt.2” e na linha depressiva/misântropa de “EUTENHODEPRESSAOODEIOTODOSOSSERESHUMANOS”. As imagens de fogo e lâmina — “Queimando a minha carne”, “No peito adentra uma adaga” — funcionam como purgação e autoferimento controlado. Já “Duas 911 pro célebro sacudir” amplia o choque: pode indicar o código de emergência (pedido de socorro convertido em estímulo), duas 9 mm/balas (violência literal) ou o Porsche 911 (adrenalina e aceleração). As três leituras apontam para um impulso extremo para “sacudir” a mente, típico da fusão rap/metal que dramatiza fantasia bélica e urgência emocional.

A narrativa fecha num diálogo frio com um “você” descartável: “Eu não me importo se você sumir” e “Você vai se cortar / Eu vou melhorar”. A misantropia e o luto (“Todo mundo que eu amava se foi / Só restou eu e um rim”) sugerem sobrevivência mutilada — literal (perda/adoecimento) ou hipérbole de exaustão vital. Em contraste, surgem máximas de lucidez moral — “Dinheiro não vai comprar o amor / O ódio só alimenta a dor” — que reconhecem a futilidade do acúmulo e do ressentimento, sem impedir o desligamento afetivo: “Eu não vou ligar”. Fica a tensão central: a melhora só acontece imersa no inferno e, possivelmente, às custas do outro. Também cabe ler esse “você” como um fragmento de si, numa disputa interna entre autodestruição e vontade de mudança, coerente com a recorrência de depressão e repulsa ao mundo na obra de Trash Poll.