R.I.P.

Poder, reinvenção e trilíngue em "R.I.P." de Urias

"R.I.P." encena um ritual de morte e renascimento da persona. A sequência "I killed the bitch / I go and build another bitch" (Eu matei a vadia / eu vou lá e crio outra vadia) transforma o descartar em estratégia de poder amoroso e artístico. Em "Hard like this, fast like this" (Forte assim, rápida assim), ela marca o compasso acelerado com que edita relações e versões de si, enterrando o que não serve em "go rest in peace" (vai descansar em paz) e exibindo controle. A hipérbole "Been changing hoes since I was six" (Tenho trocado vadias desde os seis anos) aponta para uma prática antiga de reinvenção e de corte do que é tóxico; o "ha, ha, ha" adiciona humor cru e frieza. O arco é de eliminação e reconstrução contínuas, movido por desejo, adrenalina e autossuficiência.

Esse jogo de persona se amplia nas trocas de idioma: "That's how it works, fam" (É assim que funciona, família), "mi manera" (minha maneira), "En mi cielo soy la estrella" (no meu céu eu sou a estrela) e "Yo sé… no sou solo guapa papi… dame mis credita’" (eu sei... não sou só bonita, papi... me dá meus créditos). O trilinguismo amplia o alcance pop e vira arma de autoridade: ela dita regras e cobra crédito. Em "Got an eye in the back of my head" (tenho um olho na nuca) e "a voice… that tells me what to show" (uma voz... que me diz o que mostrar), surge a vigilância de quem navega fama e afeto com instinto e método; se passa do ponto, ela freia em "I'ma have to take it slow" (vou ter que ir com calma). "Ser guapa é como una terapia" (ser bonita é como uma terapia) e "All natural" (tudo natural) tensionam autenticidade e artifício, em diálogo com a trajetória de Urias e com os temas de amor, raiva e transgeneridade do álbum Her Mind, como destacou a Rolling Stone. Ao fechar com "Explain her mind" (explicar a mente dela), a faixa soa como manifesto: poder, desejo e identidade narrados por quem conduz o próprio enredo.