Baía da Traição

“Baía da Traição” entre rota, erosão e confronto social

Zepelim e o Sopro do Cão transforma “Baía da Traição” em mapa afetivo e raio-X social. O refrão desenha um trajeto real: sair cedo, cruzar Marcação e terminar no “Tubarão”. A palavra “traição” pesa e vira prenúncio de hostilidade. As referências são do litoral paraibano — Baía da Traição e Marcação, vizinhas — e o provável bar/pico “Tubarão”, reforçando o vínculo local que a banda, nascida em Campina Grande, cultiva. As imagens “Muro que fosse / praia engole mil” e “da alvenaria a ver navio” expõem erosão e avanço do mar sobre o cimento; a segunda soma o cais literal à expressão “ficar a ver navios”. Quando surgem “devoto a traição hostil” e “originário”, o nome do lugar e a presença Potiguara entram em foco: paisagem como origem, conflito e pertença. A canção integra o disco Arquibancada Sol e foi apresentada ao vivo no Lab Matulão antes do lançamento, com a tensão urbana do hardcore atravessando a beira-mar.

A narrativa acompanha a ida ao litoral: “de Marcação já dá pra ver o mar”, e não se pede retorno porque “noutra embarcação quem pede pra voltar torna‑se passageiro” — perder o comando da rota. No caminho, o tom escurece: “Rua das Almas / sem porto e área fabril” desenha abandono; “assombração é eu sóbrio” confessa deslocamento; “de cara na lata de coca” e “lata evapora” sugerem solvente e torpor. Quando “Tubarão abriu / os home surgiu”, a festa vira batida policial. “Preso por porte de vazio” ironiza a criminalização da pobreza, enquanto “aparando o clorofórmio” ecoa apagamento forçado. No fim, “sargaço na canela” vira mantra: maré na canela, alga grudando — pertencimento ao litoral e grude da vida real. É viagem curta e intensa: celebra a Baía mais bonita do Brasil, mas não apaga o atrito entre natureza, cidade e sobrevivência.