Monomofo

“Monomofo” e o amor que resiste no mofo e na laje da casa

“Monomofo” retrata um amor que se assume na infiltração e no mofo, literalmente. A canção transforma a precariedade (“insalubridade”, goteira, parede úmida) em cenário de afeto e tesão, num jogo de tensão e cuidado — “você só pensa em morder pra me alisar depois”. O pôr do sol na laje, o gesto de “favoritar uns áudio” e a vontade de “revelar pra emolduragem” criam imagens domésticas e pop: um romance que arquiva memórias simples numa casa de periferia, onde tudo é improviso, mas verdadeiro. O título resume a ideia: o mofo vira metáfora de tempo, umidade e desgaste que, paradoxalmente, cimentam o vínculo; um “amor sem mofo” seria limpinho demais, sem história pra contar.

O verso “A cena mais bonita é do interior / o coração da cidade esverdeou” abre duplo sentido. “Interior” aponta tanto para Campina Grande, origem do Zepelim e o Sopro do Cão, quanto para o dentro da casa; “esverdeou” sugere esperança e também verdete/mofo no “coração da cidade”. Isso dialoga com o DNA do grupo, que mistura hardcore, punk, ska e rap ao sotaque e às vivências do interior nordestino, cruzando urbano e agreste. Laje, sol e coletividade ecoam temas dos discos recentes (“Caranguejo de Açude”, água e cidade; “Arquibancada Sol”, calor popular), agora convertidos em amor cotidiano que persiste mesmo quando a casa infiltra.

No meio do romance, chega a cobrança: “assume as bronca dos contratinho / tentei pagar de pedaço e não quitou”. O vocabulário de dívida e contrato funciona como burocracia real (aluguel, prestação, plano) e como acerto afetivo não cumprido. Já “se a parte escura é quando inunda tudo que não poderia molhar” vale tanto para alagamento quanto para transbordamentos de desejo ou de drama. O refrão afirma o manifesto: amor “limpo”, sem mancha, é irreal; viver junto implica sujeira, improviso e riso no caos — é daí que nascem cor e memória.