Protection

Feras interiores e mar protetor em “Protection”, de Alcest

Em “Protection”, o mar vira armadura — não fuga, mas disciplina espiritual diante do caos interno. A ameaça vem de fora e de dentro: “La nuit comme une toile / Suspendue s’effondre” (A noite, como uma tela suspensa, desaba) abre a cena de colapso; logo surgem “Des rugissements” (Rugidos), o esforço de “Je me débats” (Eu me debato) e o embate “Contre les ombres / Qui nous transpercent” (Contra as sombras / que nos atravessam). Quando a letra afirma “Les houles de la mer / Sont une armure / Nous protégeant” (As vagas do mar / são uma armadura / protegendo-nos), o mar aparece como ritmo que acalma e blinda. Essa tensão entre abrigo e ameaça ecoa a estética da Alcest, que cruza shoegaze e black metal, e conversa com o título do álbum Spiritual Instinct: espiritualidade e instinto em choque, conduzidos por Neige com foco introspectivo, não escapista.

A narrativa progride da vertigem à mobilização defensiva, culminando no horizonte hostil de “Tant d’armes / Tant de lames glaciales” (Tantas armas / tantas lâminas gélidas). A linha “Pour affronter les fauves / En nous grondant” (Para enfrentar as feras / rosnando em nós) explicita o que Neige destacou na época do álbum: a luta é contra as feras interiores, que também reverberam no mundo. O sentimento vai da angústia à determinação contida. A versão acústica instrumental de 2021 reforça o aspecto protetor e meditativo do motivo marinho, enquanto a gravação original — fruto de um “processo longo e desafiador” — dá corpo à aspereza do conflito que a letra encena.