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Análise de Metrô Linha 743, uma crítica de Raul Seixas sobre a ditadura

Analisando letras · Por Érika Freire

16 de Julho de 2021, às 19:00

Presente no álbum homônimo lançado em 1984, a música Metrô Linha 743 é mais uma letra de Raul Seixas que faz críticas ao período militar.

Utilizando de sua genialidade para compor, ele sinalizou alguns dos horrores da ditadura com seu habitual senso de humor como se estivesse contando uma história. 

análise metrô linha 743
Créditos: Divulgação

As letras de Raul sempre trazem alguns aspectos enigmáticos e isso permite diferentes visões e significados.

Em Metrô Linha 743 não é diferente, e aos ouvidos menos atentos, a mensagem pode até permanecer oculta. A música soa como uma crônica pelo modo narrativo e é a faixa de maior destaque do disco, o décimo segundo da discografia de Raulzito.

Vamos juntos analisar a letra da música Metrô Linha 743?

Análise da música Metrô Linha 743

A música Metrô Linha 743 foi lançada em 1984, um ano antes do fim da ditadura militar no Brasil. A letra conta uma breve história cheia de metáforas sobre dois desconhecidos que se encontram na rua.

Temos como contexto uma fase dura para o país e principalmente para os jovens, estudantes e artistas que eram perseguidos simplesmente por expor ideias. E é nesse tema que Metrô Linha 743 se constrói, relatando de maneira irônica, bem ao modo de Raul, que pessoas questionadoras e reflexivas representavam um perigo ainda maior aos olhos dos militares. 

Os indivíduos eram vigiados de diversas formas, então imagine dois homens conversando parados na rua? Logo era motivo para a viatura parar e averiguar o que estava rolando ali. 

Quanto mais pensante, mais problemas poderia causar e quem tinha o poder de influenciar multidões era visto com grande receio pelos militares do governo. Por isso, as letras das músicas precisavam ser submetidas à censura antes das apresentações. 

A patrulha ideológica da censura ficava em alerta para identificar os grandes pensadores. A qualquer sinal de subversão, eles chegavam juntos, como sugere a letra de Metrô Linha 743.  

Análise das estrofes Metrô Linha 743 

Vamos conferir a análise dos versos.

Ele ia andando pela rua meio apressado
Ele sabia que tava sendo vigiado
Cheguei para ele e disse: Ei amigo, você pode me ceder um cigarro?
Ele disse: Eu dou, mas vá fumar lá do outro lado
Dois homens fumando juntos pode ser muito arriscado!
Disse: O prato mais caro do melhor banquete é
O que se come cabeça de gente que pensa
E os canibais de cabeça descobrem aqueles que pensam
Porque quem pensa, pensa melhor parado
Desculpe minha pressa, fingindo atrasado
Trabalho em cartório mas sou escritor
Perdi minha pena nem sei qual foi o mês
Metrô linha 743

A letra começa com um dos personagens narrando o seu encontro com um desconhecido que andava apressado pela rua. O que hoje seria encarado como algo normal, na época da ditadura era visto com desconfiança: dois homens fumando juntos e trocando ideias. 

O personagem que narra a história parece ser menos atento aos reais perigos do que a cena poderia acarretar. Já o cara que dá o cigarro e pede para o outro fumar do outro lado, está mais atento.

análise metrô linha 743
Fotografia para a capa do álbum Metrô Linha 743 / Créditos: Divulgação

Os canibais de cabeças seriam os militares, e as cabeças pensantes o melhor do banquete. Ou seja, eram o alvo principal e deviam ser aniquilados. 

A repressão era tamanha que muitos optaram por mentir sobre suas reais atribuições, por isso o verso finaliza com o homem pedindo desculpas pela pressa, dizendo que trabalha em cartório, mas, na verdade, é escritor. É que um trabalho burocrático em cartório indicaria menos riscos, ao contrário de um escritor compartilhando ideias. 

O homem apressado me deixou e saiu voando
Aí eu me encostei num poste e fiquei fumando
Três outros chegaram com pistolas na mão
Um gritou: Mão na cabeça malandro, se não quiser levar chumbo quente nos córneos
Eu disse: Claro, pois não, mas o que é que eu fiz?
Se é documento eu tenho aqui
Outro disse: Não interessa, pouco importa, fique aí
Eu quero é saber o que você estava pensando
Eu avalio o preço me baseando no nível mental
Que você anda por aí usando
E aí eu lhe digo o preço que sua cabeça agora está custando
Minha cabeça caída, solta no chão
Eu vi meu corpo sem ela pela primeira e última vez
Metrô linha 743

A narrativa segue com o sujeito menos informado, que encosta no poste com seu cigarro quando é abordado por três homens armados. Esse trecho é uma descrição de cenas bem típicas que os civis podiam passar, ser repreendidos pela polícia mesmo sem fazer nada que justificasse o ato. 

análise metrô linha 743
Créditos: Divulgação

Então, Raul, mais uma vez de forma irônica, sugere que não importa documentos, o que é de grande valia para os policiais era saber o que as pessoas estavam pensando. O nível mental era a forma de avaliar o quão perigoso determinado indivíduo poderia ser para a sociedade.

Jogaram minha cabeça oca no lixo da cozinha
E eu era agora um cérebro, um cérebro vivo à vinagrete
Meu cérebro logo pensou: que seja, mas nunca fui tiete
Fui posto à mesa com mais dois
E eram três pratos raros, e foi o maitre que pôs
Senti horror ao ser comido com desejo por um senhor alinhado
Meu último pedaço, antes de ser engolido ainda pensou grilado
Quem será este desgraçado dono desta zorra toda?
Já tá tudo armado, o jogo dos caçadores canibais
Mas o negócio aqui tá muito bandeira
Dá bandeira demais meu Deus
Cuidado brother, cuidado sábio senhor
É um conselho sério pra vocês
Eu morri e nem sei mesmo qual foi aquele mês
Ah! Metrô linha 743

Na última estrofe, Raul cria metáforas sobre as torturas que ocorriam na época. Alguns saiam vivos, mas outros não tinham a mesma sorte e o corpo desaparecia. O personagem da música morre e seu cérebro é comido pelos canibais de cabeça. 

É importante lembrar que Raul foi preso, torturado e mandado para o exílio em 1974 por conta da tentativa de criar uma sociedade alternativa, ao lado do escritor Paulo Coelho. O fato certamente foi o que levou o roqueiro a compor Metrô Linha 743.

análise metrô linha 743
Raul Seixas e Paulo Coelho / Créditos: Divulgação

Como na época ele já fazia sucesso, representava um baita problema por influenciar pessoas. Tanto que ele se refere na letra que sua cabeça foi servida em pratos raros pelo maitre, sugerindo ter sido interrogado pelo alto escalão. 

Ao final, ele manda um aviso para que todos tenham cuidado, principalmente as pessoas sábias.   

E o nome da música, tem algum significado? 

Muitos se perguntam sobre a escolha de Raul pelo nome Metrô Linha 743. Aparentemente não existe um significado específico, porém, durante a ditadura militar, os jornais e rádios eram controlados.

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Testes do metrô de São Paulo, inaugurado em 1974 / Créditos: Divulgação

Não podia noticiar as mazelas do governo e os jornais eram obrigados a falar basicamente de coisas positivas, como construções de estradas e obras em geral. Muitas obras de metrô estavam sendo noticiadas neste período, sendo que o metrô de São Paulo começou a funcionar em 1974. Essa pode ser a relação do nome da música. 

Confira o significado de 8 músicas do Raul Seixas

E aí, conta pra gente aqui nos comentários o que achou da análise de Metrô Linha 743. Você tem alguma interpretação diferente?

Agora, aproveita e vem conhecer o significado de outras 8 músicas do Raul Seixas

Significado das músicas do Raul Seixas

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