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Domingo No Parque: análise de uma das músicas mais icônicas de Gil

Analisando letras · Por Dora Guerra

17 de Março de 2020, às 12:00

Lançada em 1968 no álbum Gilberto Gil, a música Domingo No Parque foi essencial para a trajetória musical de Gil e para a MPB. 

A canção é cheia de elementos sonoros diferentes (com os mais variados instrumentos, desde o berimbau até uma orquestra) e é um ótimo ponto de partida pra entender como Gilberto Gil sempre foi um talento e tanto. 

Gilberto Gil
Créditos: Divulgação

Domingo no Parque não é só uma música, mas uma narrativa contada com uma trilha que acompanha o ritmo da história.

Mais de 50 anos depois de seu lançamento, a canção é o assunto do nosso texto de hoje. Aproveita que tem muuuita coisa interessante por trás dessa letra! Vem ver:

A história da canção Domingo No Parque

Na verdade, Domingo No Parque foi tocada pela primeira vez com os Mutantes, no Festival da Canção de 1967. A canção levou o 3º lugar, logo atrás de Travessia, de Milton Nascimento.

Para muitos, essa apresentação foi considerada o início do tropicalismo, um movimento vanguardista na música popular brasileira. E realmente, lá estavam alguns dos maiores nomes da Tropicália, fazendo o que sabiam fazer de melhor: uma boa bagunça.

Na apresentação, a música começa numa narração contida de Gil e vai tomando outras proporções: entram as vozes de Rita Lee e os Mutantes, um berimbau, uma guitarra (que seria bastante incorporada na MPB graças ao tropicalismo) e até uma orquestra com instrumentos eruditos. 

E assim, a letra vai se desenvolvendo, descrevendo uma história bastante caótica (sem spoilers, prometo!). 

Outro ponto que é legal destacar: a letra tem cortes, como se estivéssemos assistindo a um filme.

A história é contada com cenas abruptas, rápidas, extremamente visuais. Você ouve a música, com a sensação de que está assistindo às cenas! 

Análise da música Domingo No Parque

Vamos começar a entender a letra da música? 

O rei da brincadeira
Ê, José!
O rei da confusão
Ê, João!
Um trabalhava na feira
Ê, José!
Outro na construção
Ê, João!

De forma bastante similar a uma cantiga de roda, a canção abre com uma descrição de dois amigos: José e João. 

O primeiro era feirante, ou seja, provavelmente um cara bastante sociável. Segundo o próprio Gil, era o rei da brincadeira. 

Já João trabalhava na construção e era aparentemente um cara agressivo, o rei da confusão. São eles os protagonistas da história que Gil vai contar. 

A semana passada
No fim da semana
João resolveu não brigar
No domingo de tarde
Saiu apressado
E não foi pra Ribeira jogar
Capoeira!
Não foi pra lá
Pra Ribeira, foi namorar

Apesar de ser o rei da confusão, João não quis entrar em nenhuma briga nesse fim de semana específico. Parece que algo mudou: ao invés de ir jogar capoeira, João foi encontrar alguém. 

A menção da capoeira é legal também porque explica a aparição do berimbau na música.

O José como sempre
No fim da semana 
Guardou a barraca e sumiu
Foi fazer no domingo 
Um passeio no parque
Lá perto da Boca do Rio

Para José, o fim de semana era o momento de se divertir. Ele fecha sua barraca da feira e no domingo vai fazer um passeio no parque. 

Por enquanto, tudo tranquilo, né? Pois, é agora que tudo complica.

Foi no parque
Que ele avistou
Juliana
Foi que ele viu
Foi que ele viu Juliana na roda com João
Uma rosa e um sorvete na mão
Juliana seu sonho, uma ilusão
Juliana e o amigo João

É no parque que José vê Juliana com João. Apesar de não ficar claro quem Juliana era, Gil menciona que era um sonho, uma ilusão. Provavelmente uma paixão platônica, né? 

Fosse quem fosse, José pareceu se abalar. Nesse ponto, o instrumental dá uma virada dramática, com uma desacelerada. Assim, a gente consegue “sentir” o mundo de José caindo. 

O espinho da rosa feriu Zé
(Feriu Zé!) (Feriu Zé!)
E o sorvete gelou seu coração
O sorvete e a rosa
Ô, José!
A rosa e o sorvete
Ô, José!
Foi dançando no peito
Ô, José!
Do José brincalhão
Ô, José!

Aqui, a rosa e o sorvete são usados pra exemplificar como o acontecimento machucou José. 

É nesse trecho que a gente começa a ver que a música parece com uma cena com cortes rápidos e várias imagens: José, João, Juliana, a rosa, o sorvete, os espinhos, tudo de uma vez.

Só de ouvir, ficamos confusos junto com José.

O sorvete e a rosa
Ô, José!
A rosa e o sorvete
Ô, José!
Oi girando na mente
Ô, José!
Do José brincalhão
Ô, José!

Por mais brincalhão que fosse, o personagem está machucado, praticamente tonto. Tudo gira na cabeça dele.

Juliana girando
Oi girando!
Oi, na roda gigante
Oi, girando!
Oi, na roda gigante
Oi, girando!
O amigo João (João)

Agora, a roda gigante entra na cena: o cenário e a cena se misturam, pra intensificar o drama da situação. José vai sendo tomado por emoções. 

O sorvete é morango
É vermelho!
Oi, girando e a rosa
É vermelha!
Oi girando, girando
É vermelha!
Oi, girando, girando

Gil vai construindo a narrativa focando em um elemento que vai ser importante: a cor vermelha. É ela que dá o tom agora, é a cor do sorvete, da rosa e da cena seguinte.

Tá pronto pro que vem? Ó:

Olha a faca! (Olha a faca!)
Olha o sangue na mão
Ê, José!
Juliana no chão
Ê, José!
Outro corpo caído
Ê, José!
Seu amigo João
Ê, José!

Olha a faca! De repente, a música fica pesada e a história também. Agora, o vermelho da rosa e do sorvete dão lugar ao vermelho do sangue na faca que José golpeou João.

Curiosamente, não foi o amigo que adorava confusão que partiu pra violência: foi logo o brincalhão. 

Amanhã não tem feira
Ê, José!
Não tem mais construção
Ê, João!
Não tem mais brincadeira
Ê, José!
Não tem mais confusão
Ê, João!

Pra encerrar, os instrumentos de corda da orquestra tomam conta, enfatizando o drama da narrativa. As vozes também ficam mais lentas por um instante. Não tem mais nada: o domingo no parque foi cena de um assassinato, por puro ciúme.

No último minuto da música, todos os instrumentos se juntam, em uma composição quase circense. Essa escolha é muito interessante, porque representa o parque, suas cores, a alegria de um lugar feito pra diversão, que acaba de ser um cenário trágico.

Um trecho musical que deixa de ser alegre e é quase bizarro, sombrio. Entra também a guitarra distorcida, como um toque final tropicalista. Isso é Gil, os Mutantes, a bagunça toda! 

Os Mutantes e Gilberto Gil
Os Mutantes e Gilberto Gil / Créditos: Divulgação

Conheça a história de outras músicas do Gilberto Gil

Como a gente já comentou, Domingo No Parque é só uma das váaarias composições incríveis de Gil. 

Em seus mais de 50 anos de carreira, o artista criou músicas que influenciaram inúmeros artistas por vir e emocionaram públicos de todas as idades. Mestre é mestre, né?

Pensando nisso, preparamos um outro texto especial em homenagem ao grande Gil. Vem conferir o significado de Drão, uma das canções mais lindas do músico! 

significado drão