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Entenda o significado da música Drão, de Gilberto Gil

Analisando letras · Por Dora Guerra

5 de Setembro de 2019, às 07:00

Lançada em 1982, Drão é uma das canções mais conhecidas de Gilberto Gil. A música foi composta para sua terceira esposa, Sandra Gadelha, que recebeu carinhosamente o apelido Drão, dado por Maria Bethânia. 

Gilberto Gil e Sangra Gadelha
Gilberto Gil e Sangra Gadelha / Créditos: Divulgação

Apesar de ganhar versões lindas de Caetano e Djavan, a música é especialmente emocionante na voz de Gil. Por isso, achamos que vale a pena contar um pouco do significado de Drão, para além da história do casal. Vem ver:

A letra de Drão

Como mencionamos, Drão é uma canção feita para a terceira esposa de Gilberto, Sandra Gadelha, e foi escrita em um período de separação. Dá pra sentir a dor desse processo nos versos da música. 

Sobre a canção, Gil conta no livro Todas As Letras (Cia das Letras, 2000):

Sua criação apresentou altos graus de dificuldades porque ela lidava com um assunto denso – o amor e o desamor, o rompimento, o final de um casamento; porque era uma canção para Sandra e para mim. “Como é que eu vou passar tantas coisas numa canção só?”, eu me perguntava.

Será que ele conseguiu passar tudo isso em uma música? Bom, vem ver:

Análise verso a verso de Drão

Se você quiser ver a versão em vídeo, é só dar o play nesse vídeo do nosso canal:

Agora, vem entender direitinho todas essas metáforas:

Drão!
O amor da gente é como um grão
Uma semente de ilusão

Aqui, começa a metáfora que Gil desenvolve na primeira estrofe: o amor é uma semente que começa pequena e germina. Além da rima com o apelido da mulher, Gil começa a desenhar a imagem que nos vem à cabeça com a letra.

Tem que morrer pra germinar
Plantar nalgum lugar
Ressuscitar no chão
Nossa semeadura

O primeiro verso desse trecho é muito forte, né? Uma semente precisa morrer (ser enterrada) para germinar. Dessa forma, Gil estabelece um paralelo com a sua própria relação com Drão. 

É interessante lembrar que a ideia de plantar lembra, ainda, a noção de família: criar raízes, deixar frutos, montar sua árvore genealógica. Com sua esposa, Gilberto teve três filhos, como explicaremos um pouco mais a frente. Ou seja, plantou e deixou sua semeadura. Talvez o amor dos dois não resista a isso enquanto casal; tenha que morrer para que a família germine. 

Quem poderá fazer aquele amor morrer
Nossa caminhadura
Dura caminhada
Pela noite escura

A separação dói, é uma dura caminhada pela noite escura. São versos sofridos, né? O negócio fica ainda mais doloroso na estrofe seguinte:

Drão!
Não pense na separação
Não despedace o coração

Nesse trecho, o músico tenta consolar sua então-mulher. Quando sentimos muito carinho por uma pessoa, mesmo que os caminhos se separem, não queremos vê-la sofrer. Nisso, ele pede: não pense na separação/ não despedace o coração.

O verdadeiro amor é vão
Estende-se infinito
Imenso monólito
Nossa arquitetura

Apesar de se separarem, o verdadeiro amor dos dois se estende, infinito. Para essa comparação, Gil usa o monólito, que é uma estrutura constituída por uma única, grande e maciça pedra. Assim, o compositor reafirma a força e a união dos dois, mesmo em fase de término.

Pedra da Gávea, no Rio de Janeiro
Pedra da Gávea, exemplo de monólito / Créditos: Divulgação

Quem poderá fazer aquele amor morrer
Nossa caminhadura
Cama de tatame
Pela vida afora

Aqui repara-se um jogo de palavras que o artista faz ao longo da música: a caminhadura (neologismo criado por Gil) é, a princípio, o ato de caminhar; a dura caminhada. Agora, caminhadura está relacionado a cama dura, como uma cama de tatame. 

Sandra era companheira de Gil pela vida afora, especialmente durante seu exílio em Londres durante a ditadura. Já a cama de tatame é literal: segundo Sandra, dormiam sempre em um tatame no início do casamento.

Mesmo que tenham passado por momentos muito difíceis, essas situações tornaram o amor dos dois ainda mais forte e infinito.

Drão!
Os meninos são todos sãos
Os pecados são todos meus

Nesse ponto, o compositor lembra que seus filhos estão bem e qualquer culpa é, na verdade, dele mesmo. E continua:

Deus sabe a minha confissão
Não há o que perdoar
Por isso mesmo é que há de haver mais compaixão

Apesar de assumir a culpa, Gil afirma que não há o que perdoar; se Deus é quem sabe das confissões e dos pecados, cabe aos dois ter apenas compaixão um pelo outro. 

É bonito como, ao longo da letra, o músico se preocupa em fazê-la se sentir melhor e não sofrer, lembrando da potência de seu amor. Se construíram família, podem manter a compaixão viva mesmo se não estiverem mais juntos. Por isso, voltando à metáfora inicial, Gil encerra:

Quem poderá fazer
Aquele amor morrer
Se o amor é como um grão
Morre, nasce trigo
Vive, morre pão
Drão!
Drão!

Não há quem faça o amor morrer, pois ele seguirá germinando, ressuscitando e renascendo, seja como árvore, trigo ou pão. Um jeito lindo de encarar um fim traumático, né?

A história de Gil e Drão

Gilberto Gil e Sandra Gadelha começaram o namoro em 1968, em pleno movimento Tropicalista. Em dezembro, Gil e Caetano foram presos devido ao AI-5, quando a ditadura militar atingiu seu ápice. 

Pouco tempo depois, Gilberto se casou com Drão e eles fugiram em exílio para Londres. Com Sandra, teve três filhos: Pedro, Preta e Maria Gil. Em 1979, o casal começou o seu processo de separação.

Preta, Pedro e Maria, filhos de Gilberto Gil com Sandra Gadelha
Preta, Pedro e Maria, filhos de Gilberto Gil com Sandra Gadelha / Créditos: Divulgação

Durante o tempo que passaram juntos, Gil compôs também a canção Sandra para sua mulher. Em contraste a Drão, a música é mais positiva, de quando o romance começava:

Amarradão na torre dá pra ir pro mundo inteiro
E onde quer que eu vá no mundo, vejo a minha torre
É só balançar
Que a corda me leva de volta pra ela:
Oh, Sandra

As duas homenagens são lindas, mas marcantes de formas diferentes, como a própria Sandra disse numa reportagem para a revista Marie Claire:

Engraçado que Gil mesmo não me chamava de Drão. Antes havia feito a música “Sandra”. Já “Drão” marcou mais. Estávamos separados havia poucos dias quando ele fez a canção. Ele tinha saído de casa, eu fiquei com as crianças. Um dia passou lá e me mostrou a letra. Achei belíssima. Mas era uma fase tumultuada, não prestei muita atenção. No dia seguinte ele voltou com o violão e cantou. Foi um momento de muita emoção para os dois.

As melhores músicas de Gilberto Gil

Seja com o movimento Tropicália ou com suas lindas canções de amor, Gilberto Gil é inegavelmente um dos maiores nomes da MPB. Mesmo hoje, o baiano não parou: lançou um álbum chamado OK OK OK no ano passado, repleto de músicas novas. 

Capa do álbum OK OK OK, de Gilberto Gil
Capa do álbum OK OK OK, de Gilberto Gil / Créditos: Divulgação

Uma carreira dessas merece ser homenageada e ouvida, né? Se deu vontade de tirar um tempinho do seu dia pra apreciar o artista, vem ouvir as músicas mais tocadas de Gilberto Gil!

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