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Fazer loginLançada em 1982, Drão é uma das canções mais conhecidas de Gilberto Gil. A música foi composta para sua terceira esposa, Sandra Gadelha, que recebeu carinhosamente o apelido Drão, dado por Maria Bethânia.
Apesar de ganhar versões lindas de Caetano e Djavan, a música é especialmente emocionante na voz de Gil. Por isso, achamos que vale a pena contar um pouco do significado de Drão, para além da história do casal. Vem ver:
Como mencionamos, Drão é uma canção feita para a terceira esposa de Gilberto, Sandra Gadelha, e foi escrita em um período de separação. Dá pra sentir a dor desse processo nos versos da música.
Sobre a canção, Gil conta no livro Todas As Letras (Cia das Letras, 2000):
Sua criação apresentou altos graus de dificuldades porque ela lidava com um assunto denso – o amor e o desamor, o rompimento, o final de um casamento; porque era uma canção para Sandra e para mim. “Como é que eu vou passar tantas coisas numa canção só?”, eu me perguntava.
Será que ele conseguiu passar tudo isso em uma música? Bom, vem ver:
Se você quiser ver a versão em vídeo, é só dar o play nesse vídeo do nosso canal:
Agora, vem entender direitinho todas essas metáforas:
Drão!
O amor da gente é como um grão
Uma semente de ilusão
Aqui, começa a metáfora que Gil desenvolve na primeira estrofe: o amor é uma semente que começa pequena e germina. Além da rima com o apelido da mulher, Gil começa a desenhar a imagem que nos vem à cabeça com a letra.
Tem que morrer pra germinar
Plantar nalgum lugar
Ressuscitar no chão
Nossa semeadura
O primeiro verso desse trecho é muito forte, né? Uma semente precisa morrer (ser enterrada) para germinar. Dessa forma, Gil estabelece um paralelo com a sua própria relação com Drão.
É interessante lembrar que a ideia de plantar lembra, ainda, a noção de família: criar raízes, deixar frutos, montar sua árvore genealógica. Com sua esposa, Gilberto teve três filhos, como explicaremos um pouco mais a frente. Ou seja, plantou e deixou sua semeadura. Talvez o amor dos dois não resista a isso enquanto casal; tenha que morrer para que a família germine.
Quem poderá fazer aquele amor morrer
Nossa caminhadura
Dura caminhada
Pela noite escura
A separação dói, é uma dura caminhada pela noite escura. São versos sofridos, né? O negócio fica ainda mais doloroso na estrofe seguinte:
Drão!
Não pense na separação
Não despedace o coração
Nesse trecho, o músico tenta consolar sua então-mulher. Quando sentimos muito carinho por uma pessoa, mesmo que os caminhos se separem, não queremos vê-la sofrer. Nisso, ele pede: não pense na separação/ não despedace o coração.
O verdadeiro amor é vão
Estende-se infinito
Imenso monólito
Nossa arquitetura
Apesar de se separarem, o verdadeiro amor dos dois se estende, infinito. Para essa comparação, Gil usa o monólito, que é uma estrutura constituída por uma única, grande e maciça pedra. Assim, o compositor reafirma a força e a união dos dois, mesmo em fase de término.
Quem poderá fazer aquele amor morrer
Nossa caminhadura
Cama de tatame
Pela vida afora
Aqui repara-se um jogo de palavras que o artista faz ao longo da música: a caminhadura (neologismo criado por Gil) é, a princípio, o ato de caminhar; a dura caminhada. Agora, caminhadura está relacionado a cama dura, como uma cama de tatame.
Sandra era companheira de Gil pela vida afora, especialmente durante seu exílio em Londres durante a ditadura. Já a cama de tatame é literal: segundo Sandra, dormiam sempre em um tatame no início do casamento.
Mesmo que tenham passado por momentos muito difíceis, essas situações tornaram o amor dos dois ainda mais forte e infinito.
Drão!
Os meninos são todos sãos
Os pecados são todos meus
Nesse ponto, o compositor lembra que seus filhos estão bem e qualquer culpa é, na verdade, dele mesmo. E continua:
Deus sabe a minha confissão
Não há o que perdoar
Por isso mesmo é que há de haver mais compaixão
Apesar de assumir a culpa, Gil afirma que não há o que perdoar; se Deus é quem sabe das confissões e dos pecados, cabe aos dois ter apenas compaixão um pelo outro.
É bonito como, ao longo da letra, o músico se preocupa em fazê-la se sentir melhor e não sofrer, lembrando da potência de seu amor. Se construíram família, podem manter a compaixão viva mesmo se não estiverem mais juntos. Por isso, voltando à metáfora inicial, Gil encerra:
Quem poderá fazer
Aquele amor morrer
Se o amor é como um grão
Morre, nasce trigo
Vive, morre pão
Drão!
Drão!
Não há quem faça o amor morrer, pois ele seguirá germinando, ressuscitando e renascendo, seja como árvore, trigo ou pão. Um jeito lindo de encarar um fim traumático, né?
Gilberto Gil e Sandra Gadelha começaram o namoro em 1968, em pleno movimento Tropicalista. Em dezembro, Gil e Caetano foram presos devido ao AI-5, quando a ditadura militar atingiu seu ápice.
Pouco tempo depois, Gilberto se casou com Drão e eles fugiram em exílio para Londres. Com Sandra, teve três filhos: Pedro, Preta e Maria Gil. Em 1979, o casal começou o seu processo de separação.
Durante o tempo que passaram juntos, Gil compôs também a canção Sandra para sua mulher. Em contraste a Drão, a música é mais positiva, de quando o romance começava:
Amarradão na torre dá pra ir pro mundo inteiro
E onde quer que eu vá no mundo, vejo a minha torre
É só balançar
Que a corda me leva de volta pra ela:
Oh, Sandra
As duas homenagens são lindas, mas marcantes de formas diferentes, como a própria Sandra disse numa reportagem para a revista Marie Claire:
Engraçado que Gil mesmo não me chamava de Drão. Antes havia feito a música “Sandra”. Já “Drão” marcou mais. Estávamos separados havia poucos dias quando ele fez a canção. Ele tinha saído de casa, eu fiquei com as crianças. Um dia passou lá e me mostrou a letra. Achei belíssima. Mas era uma fase tumultuada, não prestei muita atenção. No dia seguinte ele voltou com o violão e cantou. Foi um momento de muita emoção para os dois.
Seja com o movimento Tropicália ou com suas lindas canções de amor, Gilberto Gil é inegavelmente um dos maiores nomes da MPB. Mesmo hoje, o baiano não parou: lançou um álbum chamado OK OK OK no ano passado, repleto de músicas novas.
Uma carreira dessas merece ser homenageada e ouvida, né? Se deu vontade de tirar um tempinho do seu dia pra apreciar o artista, vem ouvir as músicas mais tocadas de Gilberto Gil!
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