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Panis Et Circenses: significado do clássico dos Mutantes

Analisando letras · Por Renata Arruda

1 de Junho de 2021, às 12:00

Composta por Caetano Veloso e Gilberto Gil, Panis Et Circenses foi gravada pelo grupo Os Mutantes em seu disco de estreia, lançado em 1968. A canção aparece também no icônico Tropicália ou Panis Et Circencis, álbum-manifesto do movimento tropicalista.

Os Mutantes
Créditos: Divulgação

A faixa, que faz uma sofisticada crítica à acomodação da sociedade brasileira perante a ditadura, se tornou um dos maiores sucessos da banda e também o grande hino do tropicalismo.

Vem saber mais sobre o significado de Panis Et Circenses e confira também uma análise estrofe a estrofe da letra!

Panis Et Circenses: significado da expressão

Antes de falar sobre a música, vale a pena dar uma olhada em seu título. Panis Et Circenses é derivado da expressão latina panem et circenses, que significa pão e circo

Atribuído a um verso do escritor romano Juvenal, o vocábulo foi usado como uma crítica do autor ao povo de Roma, mais interessado em pão e diversões do que nas questões políticas.

Pão e circo em Roma
Créditos: Divulgação

Uma curiosidade é que a música aparece com grafia diferente no álbum Tropicália, onde ficou registrada como Panis et Circencis.

A política do pão e circo

A política do pão e circo surgiu no Império Romano e consistia em distribuir mensalmente cereais à população e organizar espetáculos como a luta de gladiadores, animais ferozes, palhaços, entre outras atrações que divertiam o povo.

No contexto latino-americano, a expressão pão e circo é usada para definir políticas populistas que têm como único objetivo conquistar o apoio popular.

Assim, mais do que apenas criticar a política de distração promovida pela ditadura militar, a canção Panis Et Circenses também mira na sociedade brasileira, que assistia a tudo de forma passiva.

Panis Et Circenses: significado da canção

Embora a ditadura militar tenha sido instaurada em 1964, foi apenas em 1967 — um ano antes do lançamento de Panis Et Circenses — que o regime foi institucionalizado por uma nova constituição.

Vale lembrar que muitas pessoas apoiaram o golpe militar. Um dos eventos mais emblemáticos deste período foi a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, ocorrida em 9 de março de 1964.

Marcha da Família com Deus pela Liberdade
Créditos: Divulgação

Este breve contexto histórico ajuda a entender melhor o inconformismo presente na canção. Vamos dar uma olhada na letra?

Eu quis cantar
Minha canção iluminada de Sol
Soltei os panos sobre os mastros no ar
Soltei os tigres e os leões nos quintais
Mas as pessoas na sala de jantar
São ocupadas em nascer e morrer

A primeira estrofe fala de um artista que está interessado em cantar uma canção iluminada de Sol. Isso tanto pode significar alguém querendo cantar coisas belas e positivas, como também, em um sentido metafórico, alguém que procura esclarecer, iluminar as pessoas.

Usando o imaginário do circo, que também remete aos espetáculos romanos, o personagem da música solta a lona, liberta os animais, ou seja, faz o possível para chamar a atenção.

No entanto, ele é recebido com indiferença. As pessoas da sala de jantar, ou seja, da família tradicional brasileira, não estão preocupadas com nada disso. Elas se ocupam apenas de suas rotinas e distrações.

Mandei fazer
De puro aço luminoso um punhal
Para matar o meu amor e matei
Às cinco horas na avenida central
Mas as pessoas na sala de jantar
São ocupadas em nascer e morrer

Novamente, o personagem entende que alguma coisa está errada com a sociedade brasileira. Isso porque ele afirma ter assassinado a pessoa amada com um punhal, em um local movimentado, durante o horário de pico.

No entanto, ninguém se importa. Nem com seu ato violento, nem com a morte do seu amor. Este trecho nos remete, mais uma vez, aos espetáculos romanos que usavam a violência como fonte de diversão

Da mesma forma, o regime militar era conhecido por cometer atos violentos. Mas a violência ficou tão naturalizada, que as pessoas não reagem a ela. 

Mandei plantar
Folhas de sonho no jardim do solar
As folhas sabem procurar pelo Sol
E as raízes procurar, procurar
Mas as pessoas na sala de jantar
Essas pessoas na sala de jantar
São as pessoas da sala de jantar
Mas as pessoas na sala de jantar
São ocupadas em nascer e morrer

Muita gente costuma relacionar os versos mandei plantar folhas de sonho no jardim do solar com a plantação caseira de maconha e o uso da droga. Pode haver um fundo de verdade. No entanto, o solar se refere ao antigo hotel Solar da Fossa.

Localizado em Botafogo, no Rio de Janeiro, o mítico Solar da Fossa foi moradia de inúmeros artistas e escritores em início de carreira, como Caetano Veloso e Gal Costa. Ali, nasceu o embrião de muito do que foi produzido na cena cultural brasileira nos anos 60.

Solar da fossa
Solar da Fossa / Créditos: Divulgação

Assim, os versos se referem aos sonhos dos artistas da época que, como dito no início, procuravam chacoalhar a sociedade brasileira com propostas inovadoras e modernas.

Eles nos lembram que as plantas sabem exatamente o que precisam fazer para sobreviver: procurar pelo sol, pela iluminação.

Dessa forma, a canção critica as pessoas que passam as suas vidas ocupadas apenas com o trabalho e entretenimentos vazios, como a televisão, em vez de reagir e buscar por mudanças que dessem sentido à existência.

A composição de Panis Et Circenses

Em uma entrevista, Rita Lee contou rapidamente sobre como a música surgiu:

[Eu] estava no apartamento do Caetano, na Avenida São Luís. Os Mutantes iam gravar o primeiro disco e a gente não compunha. O Gil estava com o violão e o Caetano com o papel. Os dois começaram a fazer ping pong, um interferindo na coisa do outro e eu lá assistindo. De repente, estava ali a música inteira.

O álbum Tropicália ou Panis Et Circencis

Lançado em 1968, o álbum coletivo Tropicália ou Panis Et Circencis reuniu nomes como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Nara Leão, Os Mutantes e Tom Zé em um manifesto artístico que tinha o objetivo de desafiar o tradicionalismo da música brasileira, em especial a bossa nova.

Tropicália lp
Tropicália ou Panis Et Circensis / Créditos: Divulgação

Com arranjos de Rogério Duprat, e participações dos poetas Torquato Neto e Capinam, Tropicália se tornou o grande ícone do movimento tropicalista, cuja proposta era trazer inovações estéticas e comportamentais para o cenário cultural do país.

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