A história da música Poema, de Cazuza, gravada por Ney Matogrosso

Ao longo de sua vida, Cazuza registrou inúmeras músicas e letras que, durante muito tempo, permaneceram inéditas para o público. Uma delas foi Poema, canção que era literalmente isso: um poema que o cantor escreveu para sua avó Maria José, aos 17 anos de idade.

Guardada durante 23 anos, veio a público em 1999, depois que a mãe de Cazuza, Lucinha Araújo, descobriu a letra e pediu para que Frejat a musicasse. Para gravar, não poderia ser outro: Ney Matogrosso, um dos maiores amigos e companheiros da vida do cantor.

A canção ficou tão boa que é a faixa de Ney Matogrosso mais tocada de todos os tempos. Vem saber mais sobre a história da música Poema, de Cazuza, feita em homenagem à sua avó paterna.

Poema, de Cazuza: a história da música

Muita gente sabe que Cazuza escrevia letras e poemas desde criança. O que muitos não sabem, é que a única pessoa para quem ele mostrava seus escritos era para a sua avó materna Alice, a Vó Lice, de quem era muito próximo.

De acordo com o próprio cantor, em entrevista, ele fazia poesias às escondidas de meus pais, porque era um romântico, um cara cheio de dores-de-cotovelo. E esse seu lado romântico não combinava em nada com a imagem de adolescente rebelde que gostava de transmitir.

No entanto, em 1975, sua Vó Lice faleceu. Cazuza, então, perdia uma de suas principais confidentes, com quem conviveu dos 3 aos 15 anos e para quem mostrava o seu lado artístico. Segundo Lucinha Araújo:

Minha mãe morreu muito moça, e Cazuza sofreu muito. Ele tinha 17 anos e era louco por ela. E aí ele fez uma poesia linda pra ela. Está no túmulo dela em Vassouras, eu mandei fazer em bronze.

Aquela era a primeira vez que Lucinha havia lido um poema de Cazuza e percebido todo o talento do filho.

Poema para a avó Alice

No entanto, este poema para a Vó Lice não é o mesmo que se tornou a música famosa. Mas para quem ficou curioso, mostramos o texto que está gravado no túmulo da sua avó, em Vassouras:

Você foi embora
deixou vazia a casa
o riso num álbum de fotografias
e aquela imagem de Santa Rita…
e eu fiquei lá fora
brincando de cidade deserta
chupando manga
pedindo um beijo…
e agora é a velha história
você virou saudade
daqueles tempos de carochinha
daquela vida que eu inventei
daquela reza que decorei…
agora eu vou vivendo
no mundo sem sonho ou lenda
e só de noite, quando me lembro
eu sinto um troço no meu peito
e durmo…
Seu neto

O surgimento da música Poema

O que aconteceu é que, no mesmo ano, sua avó paterna, Maria José, pediu para que o neto também escrevesse um texto para ela.

Segundo Lucinha Araújo, Maria José teria dito a Cazuza que não era pra ele esperar que ela morresse pra escrever um poema para ela. Era pra fazer enquanto ela estivesse viva.

E ele fez. Só que a avó manteve a poesia guardada e não mostrou a ninguém durante toda a sua vida — e ela viveu 100 anos. Maria José não entregou o texto nem após a morte do neto, alegando que não poderia se desfazer de um presente.

Quando Maria José faleceu, em 1998, as cunhadas de Lucinha perguntaram se ela queria alguma lembrança. A mãe de Cazuza então pediu as fotos que ela tinha com o filho e alguns discos autografados.

Ela acabou recebendo também uma caixinha, que continha a folha com o poema para Maria. 

Feliz de ter descoberto um texto inédito do filho, que ficara guardado por 23 anos, Lucinha Araújo divulgou a letra no jornal O Globo e perguntou a Roberto Frejat, parceiro musical de longa data de Cazuza, se ele aceitava compor uma música a partir do poema.

Frejat topou e após uma noite de trabalho, conseguiu transformar o poema em uma canção. Tanto ele quanto Lucinha decidiram que a faixa ficaria incrível na voz de Ney Matogrosso. E é claro que o cantor topou.

Sucesso na voz de Ney Matogrosso

Escrita em 1975, Poema foi gravada por Ney Matogrosso em 1999, no álbum Olhos de Farol.

A música se tornou um grande sucesso e é a mais tocada do intérprete de todos os tempos, eternizando uma letra que Cazuza fez com apenas 17 anos.

Análise da música Poema, de Cazuza

Vamos dar uma olhada na letra de Poema, estrofe a estrofe?

Eu hoje tive um pesadelo
E levantei atento, a tempo
Eu acordei com medo
E procurei no escuro
Alguém com o seu carinho
E lembrei de um tempo

De forma terna, Cazuza aposta no jogo de palavras para se lembrar de um tempo quando sua avó o acalentava após ter pesadelos à noite.

Porque o passado me traz uma lembrança
Do tempo que eu era criança
E o medo era motivo de choro
Desculpa pra um abraço ou um consolo

Ele continua, relembrando do passado. Falando sobre aquela época em que, quando choramos de medo, nos sentimos seguros nos braços carinhosos de uma pessoa querida.

Hoje eu acordei com medo
Mas não chorei, nem reclamei abrigo
Do escuro, eu via o infinito
Sem presente, passado ou futuro
Senti um abraço forte, já não era medo
Era uma coisa sua que ficou em mim
E que não tem fim

Agora, já crescido, ele percebe que ainda que tenha acordado com medo, ele não se sente mais desamparado. Porque o amor que recebeu da avó na infância criou raízes nele e o tornou capaz de lidar maduramente com esse sentimento.

De repente, a gente vê que perdeu
Ou está perdendo alguma coisa
Morna e ingênua que vai ficando no caminho
Que é escuro e frio, mas também bonito porque é iluminado
Pela beleza do que aconteceu há minutos atrás

Por fim, Cazuza fala dessa transição entre infância e adolescência, quando a nossa ingenuidade vai ficando para trás.

E ainda que esse seja um processo escuro e frio, também é bonito, pelas lembranças que ficaram dos tempos felizes.

Frases do Cazuza

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