Ouço Uma Voz

“Ouço Uma Voz”: malandro, amor e tempo do samba na Portela

Em “Ouço Uma Voz”, Candeia reativa um código clássico do samba de terreiro: o refrão “Deixa o carnaval passar” não é calendário, é prioridade de malandro — folia e roda antes do coração. Gravada postumamente no álbum Axé - Gente Amiga do Samba (1978), com Chico Santana, a faixa reencena, com orgulho portelense, uma composição de 1931 de Nelson Amorim. Ao soltar “Respeitar um malandro da Portela”, o narrador reafirma pertencimento e hierarquia da escola. A trama é direta: o sambista recebe o aviso “Corre vem ver” de que a mulher chora, arrependida e “louca” para voltar. Ele conta ao “compadre” que só decide depois do carnaval; agora quem dita o ritmo é ele. Arrependimento e reconciliação entram em jogo, mas no tempo do batuque.

As imagens sustentam essa malandragem com memória. “O pagode de antigamente mexe com a gente” aciona a lembrança do samba tradicional e conecta à Portela de Candeia e Chico Santana. “Estas rimas dos meus versos… inspiração” mostra que ele organiza a emoção compondo: é no canto que arruma o peito. “Vou dar um castigo nela” soa como dar um gelo, fazê-la esperar — não violência —, uma lição para “não zombar” do seu valor. “Foi medo de me perder pra outra que já me olhava” adiciona ciúme e disputa na avenida. Já “mar da paixão” e “revolta dos mares” exageram, no melhor espírito carnavalesco, o tormento de quem ama. No fim, prevalece a tradição do samba: contar a desilusão e a volta por cima. Ele aceita a reconciliação, mas só após a folia — primeiro a Portela, depois o coração.