Não Sonho Mais
Chico Buarque
Hoje eu sonhei contigo
Tanta desdita! Amor, nem te digo
Tanto castigo que eu tava aflita de te contar
Foi um sonho medonho
Desses que, às vezes, a gente sonha
E baba na fronha e se urina toda e quer sufocar
Meu amor, vi chegando
Um trêm de candango
Formando um bando
Mas que era um bando
De orangotango pra te pegar
Vinha nego humilhado
Vinha morto-vivo, vinha flagelado
De tudo que é lado
Vinha um bom motivo pra te esfolar
Quanto mais tu corria
Mais tu ficava, mais atolava
Mais te sujava. Amor, tu fedia
Empesteava o ar
Tu que foi tão valente
Chorou pra gente, pediu piedade
E, olha que maldade
Me deu vontade de gargalhar
Ao pé da ribanceira acabou-se a liça
E escarrei-te inteira a tua carniça
E tinha justiça nesse escarrar
Te rasgamo a carcaça
Descendo a ripa, viramo as tripas
Comendo os ovo, ai!
E aquele povo pôs-se a cantar
Foi um sonho medonho
Desses que, às vezes
A gente sonha e baba na fronha
E se urina toda e já não tem paz
Pois eu sonhei contigo e caí da cama
Ai, amor, não briga! Ai, não me castiga!
Ai, diz que me ama e eu não sonho mais!
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