Cê Lá Faz Idéia

O alvo do discurso em “Cê Lá Faz Idéia” e o racismo

A força de “Cê Lá Faz Idéia” está em virar o foco para o ouvinte: o refrão repete “não faz ideia” como acusação e como medida do abismo de experiência. Ao abrir com Tupac, “Algumas coisas nunca mudam”, Emicida insere o racismo cotidiano brasileiro numa linhagem histórica e transnacional, sinalizando padrão, não exceção. Ele encadeia microagressões e hostilidades — “Taxista perguntam mais que policiais a mim”, “vidro subir”, gente que atravessa a rua ao ver um homem negro — e explica o efeito cumulativo: “Cê não vê e vai juntando ingrediente da bomba relógio”, até chegar ao desabafo “eu sinto dor, eu sinto ódio”. Mostra a marcação social antes de qualquer ato — “Nasci vilão… Errado tô se eu não virar memo” — e desmonta a hipocrisia de quem se diz “Católica, de bem, linda” mas reage com medo “sem nem saber o nome dessa gente”.

No segundo bloco, ele amplia do gesto individual para a estrutura: o Estado e a escola falham — “na escola estadual… a gente tenta ficar invisível” —, produzindo autonegação — “nossas crianças… vão ter cabelo liso”. A metáfora cortante “a fama da minha cor fecha mais portas que zelador de orfanato” expõe barreiras permanentes. Há ironia dura ao reproduzir a visão patologizante de instituições — “explica pra assistente social que pai… não sabe usar a mente, só o pau” — e criticar a moral seletiva de quem ostenta “honestidade que nunca foi posta à prova”, ignorando a desigualdade material. Lançada em 2010 no álbum Emicídio e recitada por ele no Dia da Consciência Negra em 2013, a faixa reafirma a persistência do problema; por isso o refrão funciona como martelo rítmico e político, fazendo o ouvinte sentir a distância entre viver e apenas ouvir sobre o racismo.