Angeles

“Angeles” e a entrega serenamente construída por Enya

Em "Angeles", Enya canta menos uma súplica e mais uma entrega. No verso "Promises are mine to give you" (As promessas são minhas para te dar), a voz promete algo aos anjos, invertendo a lógica da oração. A produção reforça a ideia: as centenas de camadas vocais — estima-se cerca de 500 sobreposições — soam como um coro angelical que envolve e acalma, tornando o arranjo parte do sentido espiritual. A letra oscila entre pedir amparo — "Are you near if rain should fall?" (Você está por perto se a chuva cair?) / "You will rise to calm the storm" (Você se erguerá para acalmar a tempestade) — e aceitar um desígnio maior: "Heaven has her way" (O céu tem seus desígnios). O percurso vai do medo à serenidade.

As imagens de derrubar a lua para mudar o amanhã apontam o desejo de controlar o destino; em contraste, "Each one given memories to own" (A cada um são dadas lembranças para guardar) sugere consolo ao acolher o que já foi concedido. O ponto de virada aparece em "All those dark clouds disappearing" (Todas aquelas nuvens escuras desaparecendo). Assim, anjos podem ser forças divinas ou metáforas para resiliência íntima, lembranças protetoras ou até a própria música que envolve "even as I breathe" (mesmo enquanto eu respiro). O timbre sutil — a mistura de traços celtas com produção moderna — sustenta a leitura contemplativa, e a breve entrada do clarinete de Roy Jewitt no final soa como uma bênção terrena. Juntas, letra e textura coral fazem os "Angeles" parecerem presentes, movendo "earth and sea" (terra e mar) não por milagre espetacular, mas pela lenta dissipação das nuvens internas.