If It's True

“If It's True”: do lamento à união contra um jogo viciado

A virada da cena em “If It's True”, de Hadestown, acontece quando “walls have ears” (as paredes têm ouvidos) deixa de ser só alerta de vigilância e vira gatilho de resistência. À beira de desistir com “I’ll be on my way” (vou embora), Orfeu afunda em dúvida pela perda de Eurídice. Hermes narra o instante em que a canção atravessa as paredes: os Trabalhadores param o compasso dos martelos e picaretas — imagem do trabalho forçado — para ouvir e se reconhecer no lamento. Eles devolvem perguntas cortantes, como “What’s the purpose of a man... if he never stands upright?” (Qual é o propósito de um homem... se ele nunca fica de pé?), deslocando a cena do cansaço para a consciência. Surge a primeira chama de solidariedade: uma voz solitária encontra um coro.

A letra expõe verdade versus poder por metáforas de jogo: “the ones who load the dice say the toss is fair” (os que viciam os dados dizem que a jogada é justa) e “the ones who deal the cards are the ones who take the tricks” (os que dão as cartas são os que levam as jogadas). São “eles”, os poucos que controlam regras e silenciam perguntas, “the ones who speak the words always say it is the last” (os que pronunciam as palavras sempre dizem que é a última). Orfeu reage invertendo a lógica: “I believe there is a way” (eu acredito que há um caminho), “we are many, they are few” (somos muitos, eles são poucos), “it isn’t for the few to tell the many what is true” (não cabe aos poucos dizer aos muitos o que é verdade). A escolha individual de “Tell me what to do” (me diga o que fazer) vira escolha coletiva quando o coro responde “We’re standing” (estamos de pé). O mito se reconfigura como chamado à ação: da dor íntima à coragem compartilhada, com martelos silenciados como recusa e paredes feitas testemunhas.