Cure For Emptiness

Cotidiano e vazio em “Cure For Emptiness”, de Maltese

Matt Maltese transforma detalhes íntimos e prosaicos — como lençóis manchados de lilás pelo sangue menstrual — em um inventário do vazio. O refrão repete perguntas práticas e irônicas que confrontam ambições grandiosas com tarefas pequenas, alinhadas ao que ele descreveu como “buscar e nunca encontrar, e aqueles pequenos momentos em que você sente e vê tudo”. As cenas do cotidiano — “jingles na TV”, “carvões em brasa na rua de verão”, vozes nos degraus do metrô — viram âncoras sensoriais de uma vida que tenta parecer cheia, mas volta ao buraco escondido “debaixo do casaco”. O piano repetitivo reforça a hipertrofia da rotina: o ciclo de acordes espelha a sucessão de perguntas iniciadas por “How you gonna…” (Como você vai…) e a monotonia de alguém “três cafés adentro” que jura não estar acelerado.

A canção organiza o sentido em contrastes: calor x frio — “sunshine” (luz do sol) que toca versus “cold front” (frente fria) que invade; silêncio x ruído — “I’m so quiet when I do not speak” (Fico tão quieto quando não falo) versus “voices” (vozes) do metrô; íntimo x público — o corpo exposto sob a luz dos postes. Imagens como “half water and half unseen” (metade água e metade invisível) sugerem fragilidade e a sensação de sumir à vista de todos; “patron saints of the cigarette” (padroeiros do cigarro) ironiza vícios pequenos elevados a amuletos. No refrão, a ironia se cristaliza em “How you gonna rule the world when you never walk the dog/only watch the birds” (Como você vai dominar o mundo quando nem passeia com o cachorro/só fica olhando os pássaros), desmontando a pose heroica e indicando uma cura possível: menos promessa grandiosa, mais presença no banal. Na versão com Bello, lançada em 2025, o diálogo em duas vozes mantém vivo o tema central: sem solução mágica, nomear a felicidade no ordinário já encolhe o vazio.