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Testemunho

MV Bill

LetraSignificado

    Boca ressecada, coração acelerado
    Reflexo no espelho, homem desesperado
    Mais um drogado a noite inteira alucinado
    Maltrapilho, abandonado, vivendo isolado

    Se é que podia chamar isso de viver
    Vegetava sem ver minha filha crescer
    O amanhecer do dia me incomodava
    Todo sujo nem me arrumava

    Eu nem me preocupava comigo
    A maior parte do meu tempo vivia escondido
    Porradão de dez, de cinco, de três
    De dia trabalhava, a noite só mais um freguês

    Dinheiro evaporava, débito no banco
    A maior parte do salário virava pó branco
    Constantemente minha patroa reclamava
    Que eu cheirava todo dia, e a tempos não a amava

    Se esforçava, queria me ajudar, me jurava de abandono
    Se eu não conseguisse mudar
    E voltasse a ser o chefe de família
    Dar atenção para minha mulher e carinho à minha filha

    A mesma que eu humilhei no dia que cheguei
    Pancado eu peguei seu quadro e quebrei
    Ou da vez que eu alarmei a favela
    Acho que sujei o nome dela

    Dei mole me tornei um cara infeliz
    Meu raciocínio toda via, via meu nariz
    Não pensei em quem estava ao meu redor
    Transformei meus familiares em reféns do pó

    Viciado, comecei ainda de menor
    Junto com os amigos e fiquei simplesmente só
    Me entorpecia e me sentia mais potente
    Depois sem potência em decadência virei dependente

    Foi a vida bandida
    Espero te encontrar em um outro lugar

    Minha sogra levou meu nome pra igreja
    Eu ficava no bar com conhaque e com cerveja
    Eu tive a chance de uma vida normal
    Com os amigos penetrei no caminho do mau

    Desespero na cara, fila cheia
    O sangue envenenado corria em minha veia
    Quanto mais eu tinha, mais eu queria
    Minha mulher, não merecia

    Aliás ninguém merece
    Um cara como eu que do mundo se esquece
    E entristece quem quer ver seu bem
    Quando eu tava transformado, eu não pensava em ninguém

    Assim seguia, insistia a semana inteira
    Minha moral foi reduzida a poeira
    Geladeira, bicicleta, televisão
    Tudo pro nariz acompanhado de uma depressão

    De que forma ser homem de verdade
    Deixando meus parentes passarem por necessidades
    Sem vaidade, grilado na mesa de bar
    Cercado de mocinha querendo tecar

    Sem pagar, tá ligado que isso compromete
    Cafungar sem dindin custa um boquete
    Putaria, sexo grupal
    Fazendo sem vontade pra manter a minha pose de mau

    Na real, cada dia mas sem graça
    Foi numa dessas que eu levei gonorreia pra casa
    Minha mulher gritava, como gritava
    Eu me controlava, não tinha nem palavras

    Derrota, onde o meu rio deságua
    A raiva passa, fica só a mágoa
    A vida corre e a ferida continuava aberta
    Acordado a noite inteira com a mente sempre alerta

    Foi a vida bandida
    Espero te encontrar em um outro lugar
    Foi perdida, querida
    Que Deus me ajude a te recuperar

    Endividado até o pescoço, vagando só no osso
    Perdi minha fama de bom moço
    Família foi embora, depois do meu juízo
    Só não perdia o meu vício, que sacrifício

    Que sacrilégio, sem privilégio, tentei parar
    Bastava um copo de cerveja preu voltar
    E me entregar que nem brinquedo na mão do palhaço
    Por causa disso eu já vi gente levar um balaço

    No meio da lata, que violento
    Minha pipa tá sem vento, sofrendo ao relento, morrendo
    Se eu perdesse meu emprego ia ficar pior
    Perdia a hora todo dia por causa do pó

    Prometi várias vezes que ia parar
    Mas tinha alguma coisa mas forte que vinha me buscar
    Me sufocava, me ensurdecia
    Me cegava, me acabava, me enlouquecia

    Envelhecido no quarto escuro sem futuro
    Minha cadeia era sem muro
    Meu rosto traz as marcas da noite mal dormida
    Junto com as marcas das porradas que eu levei da vida

    Processo de descida, passagem só de ida
    Sem força pra montar a base que foi destruída
    Sem valor, sem carinho, sem amor
    Ser mais fraco que o vício me fazia sentir mais dor

    Não vejo rosto, não reconheço ninguém
    Na multidão ouço uma voz dizendo amém
    Era uma senhora de saia cumprida
    Dizendo que o onipotente tinha planos pra minha vida

    Me apontando, foi se aproximando, eu gelei
    Levou a mão até minha testa, ajoelhei
    Falou que a solução dos meus problemas era Jesus
    A partir desse momento eu comecei a ver uma luz

    Tive esperança, fiquei otimista
    De ser um homem livre, e virar artista
    Terça, quarta e sexta culto na igreja
    Na primeira fila tava eu pedindo mais firmeza

    Mais certeza, mais distância do abismo
    A luta era constante contra a força do meu organismo
    Me tonteava, me deixava em alucinação
    (-Os irmãos dizendo que aquilo era parte da provação!)

    O inimigo me queria novamente
    Escravizar minha matéria e dominar a minha mente
    Fui medicado, fui internado
    Conversando com as paredes, numa clínica de viciado

    Amarrado, injeção todo dia
    Quem fugia apanhava e tomava banho de água fria
    No dia à dia, lá se foi um mês sem cheirar
    Fui visitado por um grupo chamado não

    Narcóticos Anônimos, alugaram um ônibus
    Pra levar um grupo de pessoas como eu pra ver
    Outros irmãos que eles ajudaram a vencer
    Me apeguei a Cristo e fiz por merecer

    Aquilo me afastava do círculo vicioso
    Preenchendo cada vez mais o meu tempo ocioso
    Entreguei meu coração ao poderoso
    No meu dia de batismo deixei meu pai muito orgulhoso

    De cara limpa, protestante, consciente
    Podendo receber a alcunha de ex narco dependente
    Eu que pensei que minha vida estava morta
    Agora eu sei que Deus escreve certo por linhas tortas

    Ter de volta minha família ao meu lado
    A mutação da minha vida me deixou maravilhado
    As reuniões com NA foram importantes
    As ruas convidavam minha carne à todo instante

    Parte do meu corpo ainda está contaminado
    Mas passo a impressão de totalmente recuperado
    Bem arrumado, recuperei meu laço
    Hoje a arma que eu carrego, é bíblia embaixo do braço

    Fortalecer a corrente dos salvos
    Ou enfraquecer a corrente dos fracos
    Não me envergonho da minha história
    Dou testemunho na igreja e dou palestra na escola

    Toco a minha bola como se fosse um começo
    Tive outra chance mesmo sem saber se eu mereço
    Favela que eu entrava e ficava pancadão
    Hoje eu entro pra fazer a corrente de libertação

    Sem atenção, essa é minha missão
    Convencer outras pessoas a aceitarem a salvação
    Glória à Deus, aleluia na paz do Senhor
    Prego a palavra do Altíssimo que é o Salvador

    Amor, louvor, fé, esperança
    Puro como o sorriso de uma criança
    Com a liberdade no meu punho
    Meu nome não importa, esse foi meu testemunho


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