Idioma Esquisito

“Idioma Esquisito”: boemia, jargão e humor batucado

Nelson Sargento transforma o balcão de bar em laboratório de língua. Por trás do palavrório, aparecem objetos de botequim camuflados: “Pratofilônica” e “Canecalônica” escondem prato e caneca, enquanto “Calotolético” pisca para o calote da conta. No meio da galhofa, “Antropofágico” acena ao modernismo brasileiro — devorar influências e virar samba —, aproximando cultura erudita e roda de bar. A cena é direta: o compositor senta, bebe, e compõe um samba torto de propósito, assumindo a boemia e a brincadeira com o idioma como matéria-prima. Quando arremata com “É isso aí... ninguém entendeu nada, eu também não entendi”, entra a autoironia: o nonsense vira assunto, e o próprio ato de compor soa como piada interna de roda de samba.

O desfile de neologismos também trabalha o som. As sequências de “pr”, “tr”, “pl” e “bl” batem como tamborim e reco-reco, fazendo a língua sambar. Entre invenções, surgem termos reais, como “estapafúrdico” e “antropofágico”, o que reforça a graça e soa como gozação do jargão erudito: discurso complicado parodiado por um samba que se assume simples. As imagens escondidas — prato, caneca, batucada em “Batunitétrico” — ancoram o chiste no cotidiano, e o refrão repetido pede coro de roda. Dá para ouvir como jogo verbal e, ao mesmo tempo, como comentário sobre como a cultura popular “come” palavras difíceis e as transforma em conversa de bar. Vindo do mestre da Mangueira, cronista da vida carioca e também escritor, “Idioma Esquisito” celebra criatividade sem sermão, nascida da mesa de botequim.