Vida Rasteja

“Vida Rasteja”: ciclo urbano entre impulso e contenção

Nascida como instrumental de Marcelo Lobato, “Vida Rasteja” organiza sua mensagem num ciclo que já aparece na repetição dos versos. Esse ciclo reflete o Rio de Janeiro, onde o brilho das praias convive com o caos e a violência — contraste que o compositor assume ao escrever sobre a cidade. A letra oscila entre urgência e freio: “Resolver tudo do dia pra noite / Tudo de uma só vez” expressa a pressa por soluções rápidas, enquanto “mascarar o medo e não pegar na arma” mostra o esforço de conter o impulso violento. A imagem da “máquina desgovernada” simboliza o sistema urbano — economia do crime, repressão e rotina triturando a “vontade de ficar na paz”. “Orgasmo de raiva” aponta o alívio curto da descarga agressiva, que apenas prolonga o giro. O refrão “Se começar foi fácil / Difícil vai ser parar” amarra a ideia: iniciar um caminho destrutivo é simples; romper o padrão é duro. O próprio Lobato reforça essa leitura ao revisitar a faixa no projeto Afrika Gumbe, como reflexão sobre vícios de comportamento e violência recorrente.

As imagens tornam o contraste concreto. “Videogame de adulto besta não é bom pra cabeça” ironiza a gamificação da guerra urbana, e “pelas crianças você pode ver” mostra como esse ambiente marca os mais vulneráveis. O “zumbido” é o som constante de sirenes e tiros, mas também o ruído do trauma que “não nos deixa esquecer”. Mesmo com “Tanta praia / Tanta beleza / Tão presente”, “a vida rasteja”: a natureza exuberante não basta para superar a estagnação. A canção equilibra raiva e busca de paz, impulso e contenção, e sugere que, uma vez acionada a “máquina”, sair do ciclo exige quebrar um padrão sedutor e perigoso.