O Meu Guri, de Chico Buarque: confira a análise completa

Muitas músicas brasileiras retratam aspectos maravilhosos do nosso país. Porém, existem outras canções que abordam problemáticas nacionais que precisam ser solucionadas. É o caso de O Meu Guri, uma das melhores de Chico Buarque, como podemos ver ao fazer uma análise da música.

Na letra, o cantor explora a realidade de crianças e adolescentes de comunidades cariocas, que acabam se rendendo ao mundo do crime, principalmente ao tráfico de drogas. E também fala sobre como essa escolha se reflete na vida de seus familiares, principalmente na de suas mães.

Se você é fã de Chico Buarque e quer saber mais sobre esse clássico do artista, não deixe de ler a nossa análise completa da música O Meu Guri. Confira a seguir!

O Meu Guri, de Chico Buarque: análise da música

A música O Meu Guri foi lançada por Chico Buarque em 1981, no álbum Almanaque. A composição é do próprio cantor e tem tudo a ver com os temas de suas principais faixas.

Afinal, ele sempre aborda questões sociais e políticas do Brasil em suas letras. Por esse motivo, apesar de ter sido lançada há mais de 30 anos, a canção ainda é bastante atual.

Nascido no Rio de Janeiro, o músico é filho de Sérgio Buarque de Hollanda, importante historiador brasileiro, e de Maria Amélia Buarque de Hollanda, reconhecida por ter grande consciência sobre o feminismo e os direitos das mulheres.

Em meio a esse ambiente de pensadores, é claro que o artista também desenvolveu um posicionamento crítico em relação às problemáticas nacionais e o refletiu em suas composições.

Ao retratar a realidade de tráfico de drogas, corrupção, prostituição, pobreza e tensão, Chico Buarque não faz só um retrato do dia a dia das comunidades cariocas, mas também de várias regiões do Brasil, repletas de pessoas que se rendem a atividades ilícitas para se sustentar e dar uma condição melhor para sua família.

O Meu Guri: análise estrofe a estrofe

Se você já se perguntou qual é a mensagem da música O Meu Guri, chegou a hora de desvendá-la com a nossa análise completa. Leia agora a nossa interpretação das principais estrofes da canção.

O nascimento do guri

Pelos primeiros versos, conseguimos perceber que o personagem da música O Meu Guri pode ser uma figura materna ou paterna, que está preocupada com as condições de vida do filho, o guri.

Quando, seu moço, nasceu meu rebento

Não era o momento dele rebentar

Já foi nascendo com cara de fome

E eu não tinha nem nome pra lhe dar

Como fui levando, não sei lhe explicar

Fui assim, levando, ele a me levar

E na sua meninice

Ele um dia me disse que chegava lá

Porém, pelas palavras iniciais, tudo indica que seja uma mãe, que conta toda a trajetória da sua relação com o seu filho, desde o seu nascimento até a sua morte.

Ao relatar como o menino nasceu, ela confessa que não estava se sentindo pronta para dar à luz, já que ela diz que não era o momento do rebento rebentar.

Dessa leitura, é possível constatar que se tratava de uma grávida adolescente, uma situação bem comum entre as jovens das classes mais carentes do nosso país.

Por outro lado, pode ser também uma referência a um bebê que nasceu prematuro. Essa é outra situação que retrata a vida real dos brasileiros, tendo em vista que, embora haja serviço de saúde gratuito garantido a todos os cidadãos, muitas mães não fazem o acompanhamento pré-natal e, por diversos motivos, suas crianças nascem antes do tempo.

Percebemos também que se trata de um diálogo entre esse personagem e uma outra pessoa, um moço, que pode ser um jornalista ou um policial.

Esse personagem está disposto a ouvir o relato dessa mulher preocupada com o seu filho e, ao mesmo tempo, faz com que nós também tenhamos contato com a sua história.

Ele um dia me disse que chegava lá

Ao final dessa estrofe, ouvimos a expressão Ele um dia me disse que chegava lá. Com ela, o cantor quer dizer que o menino sonhava com um futuro melhor, com novas oportunidades para mudar a sua realidade.

Um sonho comum de muitos garotos brasileiros, que vivem em comunidades e tentam conquistar uma nova vida.

O grande problema é que a saída mais fácil que existe nesse contexto é o mundo do crime, mais especificamente o do tráfico de drogas – outro fato muito corriqueiro na sociedade brasileira, decorrente da desigualdade social.

Vida no crime

Chega suado e veloz do batente

Traz sempre um presente pra me encabular

Tanta corrente de ouro, seu moço

Que haja pescoço pra enfiar

Me trouxe uma bolsa já com tudo dentro

Chave, caderneta, terço e patuá

Um lenço e uma penca de documentos

Pra finalmente eu me identificar, olha aí!

Nessa parte, temos alguns indícios de que o guri de fato se rendeu à criminalidade, trazendo presentes para a mãe.

Porém, não parece que ela esteja desconfiada das atitudes criminosas do filho, já que ela relata as suas ações com muita naturalidade e, em nenhum momento, demonstra compreender que se tratam de situações típicas do crime.

Aqui também conseguimos perceber a baixa escolaridade dessa personagem. Quando ela fala da bolsa já com tudo dentro, conseguimos notar uma variação informal da língua portuguesa, típica da região onde ela vive e do grupo social ao qual ela faz parte.

Lucro e bens materiais

Chega no morro com carregamento

Pulseira, cimento, relógio, pneu, gravador

Rezo até ele chegar cá no alto

Essa onda de assalto está um horror

Eu consolo ele, ele me consola

Boto ele no colo pra ele me ninar

De repente, acordo, olho pro lado

E o danado já foi trabalhar, olha aí!

Esse é mais um trecho em que a mãe descreve a vida de seu filho. Os elementos citados (pulseira, cimento, relógio, pneu, gravador) são bens materiais que ele provavelmente adquiriu como fruto de suas atividades ilícitas.

Esse consumismo desenfreado é uma atitude muito comum entre os jovens que se rendem ao tráfico de drogas.

Também podemos perceber a religiosidade dessa mulher, que sempre está orando pela vida de seu guri. Além disso, conseguimos sentir a tensão e a preocupação nas suas palavras, ao dizer que está sempre consolando o garoto, embora ele nunca permaneça por muito tempo em casa.

Morte estampada nas manchetes dos jornais

Chega estampado, manchete, retrato

Com venda nos olhos, legenda e as iniciais

Eu não entendo essa gente, seu moço

Fazendo alvoroço demais

O guri no mato, acho que tá rindo

Acho que tá lindo de papo pro ar

Desde o começo, eu não disse, seu moço

Ele disse que chegava lá

Esse é um dos trechos mais emocionantes de O Meu Guri e é o que finaliza a canção. Nele, a mãe informa sobre a morte do seu filho. Tudo indica que foi um assassinato, decorrente das atividades criminosas do garoto.

O mais chocante dessa história é que ela ficou sabendo de seu falecimento pelos jornais. Podemos perceber esse fato pelo trecho: chega estampado, manchete, retrato com venda nos olhos, legenda e as iniciais. 

Mais um indício da vida sofrida dessa família, que reflete a condição de tantas outras que vivem no Brasil e lutam constantemente para sobreviver às adversidades da vida e à desigualdade social em nosso país.

Confira a análise de 9 músicas de Chico Buarque 

Essa é a análise deO Meu Guri, música de Chico Buarque que retrata um problema muito preocupante no Brasil atual.

Agora que você já entrou nesse clima, que tal conhecer a análise de outras 9 músicas de Chico Buarque?

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