Milonga de Clarear o Dia

“Milonga de Clarear o Dia”: saudade, lida e querência

Em “Milonga de Clarear o Dia”, a milonga vira personagem e amparo emocional, “reacendendo a brasa quase apagada do meu coração”. Isso ecoa o papel do gênero no Sul: cantar a saudade e o apego à terra. Gildinho (Nésio Alves Corrêa) e Luiz Francisco Almeida Bastos reacendem aqui esse fogo de querência, em sintonia com a trajetória de Gildinho, fundador de Os Monarcas e patrono da Semana Farroupilha. O refrão “É saudade que ressonga” define o sentimento: “ressonga” é o ronco teimoso que vibra no galpão — abrigo da estância, lugar de mate, prosa e música — e no corpo cansado. O amanhecer surge em quadros precisos: “no cantar do galo / sai a cavalo por entre os banhados / pára o rodeio e dá sal pro gado”, com “geada de rachar o garrão”. O peão cruza os banhados (áreas alagadas), atende o gado e segue a lida, sempre com a cantiga por perto.

O galpão ganha cheiro e memória com “maçanilha e poejo”, ervas de mate e chá. O pulso da milonga é comparado à “fúria brava da mamangaba voejando o cerro”, zumbido forte e valente. “No cerne puro… é o camboim brotado na raiz” reforça a ideia de resistência: cerne como núcleo da madeira; camboim, arbusto nativo que rebrotando se mantém vivo. Há também os “jujos bruxos”, simpatias campeiras, o feitiço bom que faz “amanhecer feliz”. No afeto, o eu lírico guarda “uma gaúcha… que eu roubei numas carreiras pra morar no meu rincão”: “roubei” é o modo antigo de dizer que fugiram juntos, de comum acordo, para a querência. Saudade, vida no campo, amor e rotina se entrelaçam: a milonga acompanha o clarear do dia, sustenta o trabalho e reconduz o narrador ao seu lar.