Rebelde Sem Causa

Rebeldia mimada em “Rebelde Sem Causa”, dos Raimundos

“Rebelde Sem Causa” tira sarro da rebeldia de vitrine: o narrador é mimado demais para ter uma causa. O conflito é a ausência de conflito, o que vira crise de identidade. A ironia aparece logo na abertura, “Meus dois pais me tratam muito bem”, e é reforçada pelo coro entre parênteses, que soa como plateia tentando dar sentido à angústia fabricada: “O que é que você tem… desabafa aqui com a gente!”. Quando ele enumera os mimos — guitarra da mãe, carro do pai, dinheiro “pra eu gastar com a mulherada”, orgulho por andar “produzido” — a letra também cutuca valores de machismo e status, cristalizados em “Filho homem tem que ter um carro seu”. O refrão inverte a lógica: “Meus pais não querem que eu fique legal”/“Como é que eu vou crescer sem ter com quem me revoltar”. E “Meus dois pais” aqui é apenas “meus pais” no plural; a própria letra logo cita mãe e pai explicitamente.

No original do Ultraje a Rigor (1985), a graça está no jovem que precisa se rebelar para se sentir alguém, mas não tem adversário. A versão dos Raimundos (2012), do projeto “O Embate do Século: Ultraje a Rigor vs. Raimundos”, acelera e pesa tudo, transformando a lamúria privilegiada em porrada rítmica; o clipe, com bastidores e palco, sublinha essa energia. O mantra “MAMA MAMA / PAPA PAPA” funciona como berro punk e caricatura de infantilização, lembrando que essa “rebeldia” depende de papai e mamãe para existir. A repetição do refrão martela a tese: sem fricção não há crescimento, e o personagem fica preso na pose — rebelde sem causa e sem motivo real.