Cambalache

Crítica social e ironia em "Cambalache" de Raul Seixas

Na versão de "Cambalache" interpretada por Raul Seixas, a música assume um tom irônico e desencantado ao abordar a perda de referências morais e de justiça na sociedade. O verso “dá no mesmo ser direito que traidor” resume a crítica principal: não existe mais diferença entre honestidade e corrupção, pois todos parecem nivelados em um ambiente onde valores tradicionais foram distorcidos. Essa visão pessimista, herdada do tango original de Discépolo, ganha ainda mais força no Brasil dos anos 1980, um período marcado por crises políticas e desconfiança nas instituições, o que torna a mensagem da música especialmente relevante para o contexto nacional da época.

A letra traz exemplos concretos e cita figuras históricas para mostrar a confusão de valores, como em “Misturam-se Beethoven, Ringo Starr e Napoleão / Pio IX e Dom João, John Lennon e San Martin”. Ao colocar juntos personagens tão diferentes, Raul Seixas evidencia que, no "cambalache" (palavra que significa confusão ou troca desordenada), não há mais critérios claros para distinguir mérito, ética ou importância. O refrão “Século XX cambalache / Problemático e febril / O que não chora, não mama / Quem não rouba é um imbecil” reforça o tom sarcástico, sugerindo que, para sobreviver, é preciso se adaptar a um sistema corrompido, onde a esperteza é valorizada. Raul transforma a canção em um manifesto contra a hipocrisia social, questionando se ainda vale a pena ser honesto em um mundo onde "a ninguém importa se nasceste honrado".